Meu nome é Gabriel Disconzi Barboza, tenho 27 anos. A primeira vez que eu experimentei foi em outubro de 2003, era um adolescente. Nunca tive muita curiosidade, mas todos os meus amigos já usavam e resolvi experimentar. De lá para cá, sou um usuário dependente.

Meu vício é o celular. Não só meu, com certeza você já notou a naturalidade com que as pessoas pegam o celular quando morre o assunto em uma roda de amigos, quando esperam em uma fila de supermercado ou para dar uma pequena pausa no trabalho.

Adoro celular. Quem me conhece, sabe que passo o tempo todo sujando a tela do meu Moto G com meus dedos. Na verdade, uso até demais mesmo.

Resolvi tentar entender qual a influência disso na minha rotina e fiz um desafio: exatas 24h sem meu aparelho celular. Acho que me conheci mais do que em um mês de sessões no psicanalista.

 

REGRAS DO JOGO

  • 24h sem nem desbloquear o celular, mas posso ver ele;
  • aparelho ligado no modo silencioso (sem vibracall);
  • só informei que estava sem celular quem, por algum outro motivo, tive de manter contato;
  • celular comigo o dia todo, para acompanhar meu reflexo em tentar pegá-lo.

 

00h

Começou. Nada de olhar o celular. Era noite de domingo para segunda-feira, bem no dia que eu retornava das férias ao trabalho. Havia saído para jantar, mas tive de parecer um pouco arrogante e não ligar ou mandar mensagem no dia seguinte.

 

00h30

Estava em casa me preparando para dormir e me lembrei de acionar o despertador. Do celular? Nem pensar, muito cedo para desistir. Desesperei-me ao ver que minha TV do quarto não possui a função “despertar”. Saí à procura de um relógio com despertador pela casa, sem sucesso.

 

Lembrei de um antigo invento chinês chamado “papel”, que serve para registrar informações (dentre outras funções). Deixei um recado para meu irmão na porta do quarto dele, na esperança de não chegar atrasado ao trabalho no outro dia.

 

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02h

Olhos abertos. Sabe aquela última fuçada no celular antes de dormir? Pois é, neste dia eu não sabia. Deitei sem dar aquela olhadinha nos grupos do Whatsapp, Facebook e/ou Instagram. O celular estava do lado, pela segunda vez cogitei em desistir. Liguei num Telecine e estava dando Tropa de Elite 1, ajudou a dar sono.

 

07h30

Minha comunicação chinesa deu certo! Meu irmão me acordou pontualmente. No reflexo de querer saber o horário, quase puxei o celular. Minhas regras não me proibiam disso, mas melhor evitar. Lembrei do meu relógio de pulso – que foi um grande amigo neste dia.

 

08h15

Passei a confiar mais no papel. Então peguei uma caderneta e uma caneta para me acompanhar durante o dia nessa odisseia. Ela ficava no meu carro sempre, mas nesse dia virou minha fiel confidente.

 

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Em tempo: dirigir sem dar nenhuma olhada no celular te deixa muito mais atento ao trânsito e às notícias do rádio.

 

08h35

Ao chegar no trabalho, já vejo o impacto das 8h30min sem celular: 12 notificações no Facebook.

Que o Google sabe da vida de todo mundo, não é novidade. Mas descobrir que estou sem celular e, justo hoje, pedir meu número para confirmar minha conta? Aí já é maldade.

 

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11h

Liguei do trabalho para o meu irmão, ele tinha marcado oftalmologista para mim hoje. Explicou-me como chegar, um labirinto dentro do Complexo Hospitalar da Santa Casa de Porto Alegre, que possui 7 hospitais. Depois liguei à minha mãe para pegar a senha do meu convênio médico. Tudo isso anotado copiosamente em minha caderneta.

 

13h

Fui até o hospital para minha consulta. Era a primeira vez que eu ia nesse médico, meu irmão havia agendado para mim (ele estuda medicina), mas não lembrava o nome do doutor. “Diz teu nome que eles vão saber quem te atende”, que ótimo.

Obviamente me perdi lá dentro do Complexo. Não podia ligar para ele para que me explicasse novamente como chegar. Essa foi uma das partes mais tensas do dia, pois senti a falta do celular para algo útil de verdade. Não ia pegar ele para ver as bobagens do Whatsapp, mas para ir a uma consulta médica.

Deus é justo, e encontrei o lugar – com uma boa parcela de sorte.

 

 

13h05

Peguei minha ficha e logo já seria atendido. Ao ser chamado, a simpática secretária Rosana me informou quem era o doutor.

 

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Fiz meu cadastro, passei o cartão do convênio para pagar e digitei a senha, que havia anotado ao falar com minha mãe. Ops, senha incorreta. Digitei novamente, sem êxito. Mais uma vez e nada. Depois de um total de seis tentativas frustradas e uma leve irritação, Rosana me perguntou:

– Não tem ninguém para quem você possa ligar para pegar a senha?

– Tem, mas estou sem celular! – disse eu, com ares de desespero.

A querida secretária me emprestou o telefone, liguei para minha mãe e ela retificou o código que havia me passado. Ufa! Obrigado, Rosana, lembro de você com consideração.

 

13h10

Celular combina com tédio. Sala de espera proporciona o tédio. Sala de espera é o ambiente mais propício para se utilizar o smartphone para absolutamente nada. Se revistas de consultório já eram velha antes da telefonia móvel, imagina agora que ninguém lê mesmo.

Resolvi analisar as pessoas que utilizavam seu celular. Foi impressionante ver que não há discriminação por idade, sexo, classe social: todo mundo fica fuçando o celular nesses momentos parados. Vi Candy Crush, bons grupos do Whatsapp e ligações.

 

 

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Apenas um simpático casal de idosos preferiu simplesmente relaxar e esperar.

 

 

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Foi coisa de 5 minutos, logo fui chamado pelo doutor. No atendimento, nenhum imprevisto. Meu grau aumentou para 3.5 no olho direito e 3.0 no olho esquerdo (além de incomunicável, estou bem cegueta).

 

14h

De volta ao trabalho, resolvi me ater às minhas pautas (muitas no pós-férias), então liguei o fone de ouvido em um bom punk rock e me foquei no trabalho. A tarde passou voando e consegui colocar tudo em dia. Ameacei ver o celular somente umas quatro vezes.

 

18h30

Já em casa, não sei se me acostumei a ficar sem celular ou minha tarde foi mesmo muito produtiva. Mas assim que cheguei em casa e fiquei sem absolutamente nada para fazer, senti bastante falta de correr meus dedos na tela do aparelho.

Sabe quando você viaja em um ônibus à noite e não consegue dormir? Cada vez que você fecha os olhos e abre passaram-se míseros 3 minutos. Minha noite estava assim, parecia que o tempo não passava.

Resolvi cozinhar para o tempo passar. Fazia muito tempo que não me dedicava à cozinha, o que me garantiu uma janta saborosa e pelo menos 1h30min passados. Depois disso, comecei a tocar violão, algo que há muito tempo não me dedicava mais do que 15min.

 

00h

Após encontrar novos passatempos, eis que chega a tão esperada meia-noite. O balanço de um dia sem o celular foi o seguinte:

  • 5 Snapchats
  • 1 mensagem no Facechat
  • 3 notificações no Instagram
  • 4 mensagens no Skype
  • 1340 mensagens de 16 conversas no Whatsapp
  • 1 e-mail novo
  • 1 SMS
  • 1 chamada não atendida

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Nem preciso falar que perdi pelo menos meia hora para ver tudo.

Quem me conhece, sabe que sou muito sociável, adoro estar em contato com amigos. Talvez isso tenha me feito Always on. Essa experiência me fez pensar muito sobre a necessidade de estar online.

Quando a gente não está fazendo nada durante alguns minutos, puxamos o celular para matar tempo. Mas o que acontece é o contrário: matamos tempo útil porque estamos habituados a puxar o celular por nada.

Tudo isso me mostrou que o ócio é obrigatório para o cotidiano. Todas as tarefas que realizei, fiz com muito mais assertividade e atenção. Pareceu ter sobrado horas no dia.

Contrariando aquele ditado, tempo é muito mais do que dinheiro. Dizer “eu não tenho tempo” é algo que foi muito banalizado. Todos temos tempo, só não sabemos utilizar ele com o que realmente é fundamental para vivermos bem.