O novo cd de Chico Buarque, Carioca, uma homenagem aos paulistas (até no nome do disco, Chico tem explicações inusitadas), é uma viagem! Uma boa e bela viagem de um homem de 60 anos no auge da sua criatividade. Não é um CD simples, afinal Chico é complexo mesmo e aí reside a sua beleza. Mas as melodias são suaves, etéreas, cheias de bruma e vão ao limite da imaginação. Há um transbordamento de imagens-meninas passando por baixo do arco-íris e virando meninos (em dueto com a linda voz de Mônica Salmaso). Chico dá voz ao subúrbio carioca, esquecido quase sempre e lembrado apenas para falar da violência. Ele reclama daquilo que falta aos subúrbios e pede que a comunidade fale – “espalhe a voz nos arredores”. Fala do abandono – “Lá tem Jesus e está de costas…”. Ele sonha com um tempo em que a neve ferve e o sol gela e o Diabo jura que Deus existe. Em Ode aos Ratos, Chico abusa da métrica e da rima elegante, em uma embolada que foi trilha da peça Cambaio; “rato de rua, aborígine do lodo, fuça gelada, couraça de sabão, quase risonho, profanador de tumba, sobrevivente , à chacina lei do cão”. Segue esperançoso e adolescente em Dura na Queda – “uma mulher forte, crente na vida e que ri da dor”, “largou a família, tomou veneno e vai morrer de rir”. Um homem pronto para se apaixonar por alguém diferente e mesclar-se, confundir-se com ela: porque era ela, porque era eu… Ela  percorre os palcos e encontra atrizes que não lhe dão trela, mas que o seduzem pela magia da atuação. E sua viagem segue pelo cinema,  onde ele se sente um personagem de uma trama armada pela amada, que nunca será de ninguém.

Chico é um adolescente sonhador de 60 anos, sonha, imagina, leve e apaixonado. Suas letras surpreendem pela inovação lingüística, pelo arrojo estético, pela multiplicidade de sentidos por ele mobilizados. Continua falando das mulheres, ora como amante, ora como filho, ora como poeta, quase sempre incorporando tudo. O CD fala da esperança de um homem feliz, realizado, apaixonado e apaixonante. Sem rótulos, sem comércio, este CD tem tudo a ver com o momento do artista, consagrado, politizado como sempre, votando em Lula e acreditando que a esquerda é o caminho. Chico Buarque, carioca e do mundo!

Por Merli Leal Silva