Eu olho lá fora pelo vidro da minha janela. Vejo o vento balançar algumas arvores, vejo a torre verde que logo sumirá por de trás do edifício que estão construindo. E vejo a construção sendo erguida, tijolo a tijolo, tão dedicada e trabalhosamente… Vejo o movimento na rua, na única rua que se mostra para mim: ela está cheia, cheia de rostos desconhecidos, cheia de histórias caminhando para aqui e para lá, segredos, cheia de vida, cheia de vidas.

Eu vejo a velha senhora que caminha de bengala, vejo a menina gentil que a pega pela mão e a ajuda a atravessar a rua. Eu vejo o olhar das pessoas em volta; admirados com tão nobre atitude, percebo a falta de costume. E eu vejo aquela mesma senhora encontrar seu marido na porta da loja, eu vejo um beijo de amor, eu vejo amor de verdade, eu vejo a verdade do tempo, eu vejo o tempo passar. E eu vejo aquele menino bonito, de camisa xadrez e cabelo comprido, os fones lhe cobrem os ouvidos enquanto ele caminha cabisbaixo: ele parece triste. Eu quero abraçá-lo. ele olhou para mim por um instante e eu pensei ter visto um sorriso, mas ele logo sumiu… Eu guardei aquele sorriso.

Os pássaros voam livres pelo ar úmido da cidade, manobrando por entre as construções, fazendo piruetas enquanto contornam a cúpula do grande hotel. O sol vai baixando e o vento ainda sopra, mais gelado a cada instante, a noite vai se anunciando e a rua começa a esvaziar, os carros já não passam tão freqüentemente, nem em tal número como antes… Eu desejo ver o horizonte, eu desejo ver montanhas, eu desejo ver florestas, mas apenas o céu me agracia com sua presença, e o sol que a medida que cai vai desenhando com sombras nas paredes daquele velho prédio. Mais dois pássaros passam, e outro, e outro… E a rua está vazia. E a noite caiu. E tudo é silêncio.

Todas aquelas vidas se recolheram, foram viver aquietadas em seus pequenos recintos. Todo aquele movimento cessou e a cidade dormiu. aquela senhora deve estar deitada ao lado de seu marido. A menina provavelmente também está na cama, sentindo-se bem consigo mesma. Eu espero que o menino bonito já não esteja mais triste… E eu ainda estou aqui, querendo ver as montanhas.

Por Allan Casagrande