A história dos filmes de terror sempre fizeram parte do imaginário do ser humano; o prazer (masoquismo?) em sentir medo e a arte de infligi-lo obviamente não tardaram a conseguir seu espaço, a partir do final do século XIX, naquela que seria a manifestação artística mais influente nos anos que se seguiram: o cinema. Entre as quatro paredes da sala escura, assistir a um filme de terror tornou-se uma atividade totalmente dissociada de qualquer outro gênero cinematográfico; quem estava lá sabia bem que sensações encontraria.

E é justamente essa previsibilidade dos filmes de terror e suspense que os tornam tão fascinantes; um bom filme do gênero é aquele que consegue expressar, de maneira convincente, a contraposição entre o tradicional e a originalidade, ou seja, o velho susto dado de uma nova maneira. O fascínio causado por tais obras encontra sua principal explicação por lidar com questões que culturalmente nos inspiram alguma apreensão, tais como pesadelos ou o medo da morte.

Os filmes de terror possuem uma estética peculiar, em que aspectos técnicos como iluminação e trilha incidental têm uma maior importância na composição do suspense, contribuindo para que o espectador seja induzido à apreensão, tendo as mais diversas reações, desde um aperto no braço do acompanhante (para o mais medrosos) até a ingestão compulsiva de pipocas (para os mais sádicos).

A evolução dos filmes de suspense e terror está intimamente ligada aos eventos-chave da história da Sétima Arte; desde os primeiros filmes mudos, passando pelas novas experiências sonoras e colorizadas até os psicopatas com machadinhas de hoje, muito foi produzido para que sempre nos sintamos o mais desconfortáveis possível. E o irônico disso tudo é que quanto mais incomodados ficarmos, melhor será o nosso julgamento sobre aquele filme.

 


FILMES DE TERROR – COMO TUDO COMEÇOU

 

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O responsável pelos primeiros sustos na tela grande foi o grande realizador francês George Melies, com o seu “O Castelo do Demônio”, de 1896. Outra grande referência na história do cinema foi “O Gabinete do Dr. Caligari”, uma das mais marcantes obras do expressionismo alemão, dirigido por Robert Wienne em 1919 que, juntamente com “Nosferatu” (1922), de W. Murnau, viriam a influenciar todo o cinema de horror produzido em seguida, graças à sua atmosfera sobrenatural e fotografia gótica.

Os estúdios de Hollywood ainda possuíam grande relutância em produzir filmes do gênero. Um dos nomes que mais se destacou ao fomentar o investimento em filmes de terror foi o do ator Lon Channey, que ficou conhecido como “o homem de mil faces”, por interpretar diversos personagens em inúmeros filmes produzidos na década de 20, como os clássicos “O Corcunda Notre Dame” (1923), onde sua interpretação magistral de Quasímodo tornou-se um marco do cinema mudo, e “O Fantasma da Ópera” (1925), como o desfigurado compositor/fantasma Erik. Outro grande clássico da época é a primeira versão de “O Médico e o Monstro”, de 1920.

A partir da década de 30, os filmes de terror passaram a ser produzidos tomando por base histórias e lendas européias sobre vampiros, cientistas loucos e aristocratas insanos, tendo como principais figuras os mitológicos Drácula e Frankenstein, das clássicas obras de Bram Stoker e Mary Shelley, respectivamente. Os estúdios da Universal tornaram-se célebres pela produção de dezenas de filmes com múmias, homens invisíveis e lobisomens. Dois nomes se destacam neste período: Bela Lugosi e Boris Karloff, o primeiro pela sua inesquecível representação do conde mais famoso da literatura em “Drácula” e o segundo pela sua não menos marcante atuação como o gigante grotesco “Frankenstein”, ambos em 1931. A produtora, querendo faturar em cima do sucesso de seus monstrengos, acabou errando a mão na década seguinte em produções duvidosas como “Frankenstein Encontra o Lobisomem” (1943), “A Casa de Frankenstein” (1944) e “A Casa de Drácula” (1945). Com a 2ª Guerra Mundial e o verdadeiro horror fazendo parte do dia-a-dia das pessoas, os filmes de terror acabaram ficando em baixa durante algum tempo. Outras obras representativas do cinema de horror dos anos 30 e 40 são o clássico “King Kong” e “O Homem-Invisível”, inspirado na obra de H.G. Wells, ambos de 1933, “A Múmia” (1932), com Boris Karloff no papel-título e a adaptação do livro homônimo de Oscar Wilde, “O Retrato de Dorian Gray (1945).

 

SANGUE A CORES

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A década de 50 marcou a retomada do medo no cinema, principalmente devido à contribuição da produtora britânica Hammer Studios, que voltou a explorar os antológicos personagens que encheram os cofres da Universal. Eram filmes baratos que usavam e abusavam dos – então recentes – recursos de cor e de muita sensualidade. O principal nome desse período, sem dúvida, é o de Christopher Lee, cuja interpretação do conde em “Drácula” (1958) fez história, assim como o incansável caçador de vampiros Dr. Van Helsing, vivido por Peter Cushing. A dupla fez inúmeros filmes para a Hammer, encarnando também o Dr. Franskenstein e sua criatura (Cushing e Lee, respectivamente) em “A Maldição de Frankenstein” (1957). Christopher Lee, após algum tempo de ostracismo, foi ressuscitado para o papel do vilão de nome censurado em “Star Wars II – O Ataque dos Clones”, com direito a levar coça do Yoda e tudo.

Com a era atômica, os filmes dos anos 50 passaram a ter também uma temática científica/sobrenatural; criaturas que emergiam de pântanos a partir de experiências atômicas, bolhas assassinas, tarântulas gigantes e homens com cabeça de mosca faziam com que os cinemas deixassem a Disneylândia no chinelo. Os filmes de terror eram os preferidos dos adolescentes e jovens, uma fonte inesgotável de (nem sempre boas) idéias e entretenimento.

E foi nesse cenário que, na virada dos anos 50/60 surgiu um dos maiores nomes da história dos filmes de terror, um visionário – ainda em atividade – cuja plenitude do talento ainda não foi devidamente esmiuçada: Roger Corman. Com o seu pequeno clássico “A Pequena Loja dos Horrores” (1960), Corman mostrou que era possível assustar com classe e pouco dinheiro. Este filme ainda revelou o talento do então desconhecido ator Jack Nicholson, numa ponta impagável. Além de Nicholson, Roger Corman fez história como o produtor que deu a primeira chance a milhares de jovens atores e diretores, entre eles Robert De Niro, Martin Scorcese, Peter Bogdanovich e Francis Ford Coppola. Este último, aliás, teve seu primeiro filme produzido por Corman nessa época, a história de horror “Dementia 13” (1963). Roger Corman também tornou notórias suas adaptações de histórias de Edgar Allan Poe – em sua esmagadora maioria estreladas pelo mestre do medo Vincent Price –, tais como “A Queda da Casa de Usher” (1960) e o maravilhoso “O Corvo” (1963).

 

OS ANOS 60 E OS NOVOS CLÁSSICOS

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Os anos 60 foram uma época extremamente fértil para as produções do gênero, com destaque para as criações do mestre do suspense Alfred Hitchcock, em clássicos como “Psicose” (1960) e “Os Pássaros” (1963). Outro grande nome é o do diretor George Romero, que em 1968 produziu o ultra-cult “A Noite dos Mortos-Vivos”, que rendeu várias refilmagens e plágios, inclusive por parte dele próprio. No mesmo ano, o polonês Roman Polanski chega ao ápice de seu vigor cinematográfico com o apavorante “O Bebê de Rosemary”, depois de bem-sucedidos trabalhos do gênero, como “Repulsa Ao Sexo” (1965) e a comédia “A Dança dos Vampiros” (1966), um dos principais representantes do “terrir”.

No Brasil, tivemos o surgimento do nome que se tornaria um marco da cinematografia nacional: José Mojica Marins, mais conhecido pelo nome de seu principal personagem, Zé do Caixão. Em filmes como “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964), “Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver” (1966) e “O Despertar da Besta” (também conhecido como “Ritual dos Sádicos”, de 1969), o mestre Mojica apavorou toda uma geração de expectadores tupiniquins. Nos anos 70, foi duramente perseguido pela censura e, para não morrer de fome, realizou diversos filmes de sexo explícito nos anos 80, até ser finalmente reconhecido, atingindo o merecido status de “cult”. Conhecido pelo mundo afora (sobretudo nos EUA) como Coffin’ Joe, o nosso brasileiro Zé do Caixão continua assustando a galera por aqui, muitas vezes acompanhado de assombrações da pesada, como podemos conferir nesta foto.

Nos anos 70 começam a despontar alguns nomes que viriam a se tornar grandes referências nos filmes de horror; foi em 1972 que “Encurralado”, um suspense sobre um caminhão que persegue alucinadamente um pobre motorista numa estrada dos EUA, revelou para o mundo a figura de Steven Spielberg, que mais tarde alcançaria notoriedade com o traumático “Tubarão” (1975), que deixou os cinemas lotados e as praias vazias por muito tempo. Outro filmaço do período é o independente “O Massacre da Serra Elétrica” (1974), dirigido por Tobe Hooper que, juntamente com o também independente Halloween (1978), de John Carpenter, influenciaram uma leva de filmes com assassinos misteriosos e impiedosos que perpetuaram as telas dos anos 80. Com “Alien, O Oitavo Passageiro” (1979), Ridley Scott literalmente mandou os filmes de horror pro espaço.

Na terra da pizza, o diretor italiano Dario Argento também começava a fazer história, gastando litros de molho de tomate em suas produções, como o clássico “Suspiria” (1977). Argento se tornaria o principal expoente do “gore”, sub-gênero dos filmes de horror onde o estômago é o limite.

Os filmes de possessão tiveram seu auge também nos anos 70, em obras como “O Exorcista” (1973), “A Profecia” (1976) e “Terror Em Amityville” (1979). O maravilhoso “Carrie, A Estranha” (1976), de Brian De Palma, inaugurou a febre de adaptações de obras do escritor Stephen King, que inspirou também o cultuado “O Iluminado” (1980), de Stanley Kubrick, com um Jack Nicholson (desta vez como protagonista) completamente ensandecido. Os filmes de espíritos teriam ainda um grande representante em 1982, com Tobe Hooper (desta vez sem serras elétricas) dirigindo “Poltergeist”, com roteiro e produção de Spielberg. Outra marcante obra da época foi o restrito (tão restrito que nem em vídeo foi lançado por aqui) “Eraserhead” (1977), um deslumbrante pesadelo surrealista que viria a lançar o nome de um jovem e ainda hoje incompreendido diretor chamado David Lynch.

 

ANOS 80: MACHADOS, CALCINHAS E HOME VIDEO

 

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A década de 80 marcou a ascensão dos “slashers” ou “splatters”, filmes geralmente de baixo custo, onde a onda era ter um maníaco correndo atrás de jovens seminuas. A principal referência destes filmes – e que acabou se tornando uma grife de obras do gênero – é o famoso “Sexta-Feira 13”, com o não menos popular assassino Jason Vorhees triturando jovens pecadores que davam mole transando nos arredores de Crystal Lake. Seu comparsa mais conhecido, o bonitão Freddy Krueger, deu as caras pela primeira vez em “A Hora do Pesadelo” (1984), do sempre irregular Wes Craven. Existe uma lenda de um roteiro chamado “Freddy Vs. Jason”, que colocaria os dois vilões juntos no mesmo filme… é pagar pra ver.

Alguns grandes nomes do cinema de horror surgiram nos anos 80, como David Cronenberg, conhecido por não poupar o expectador em filmes como “Filhos do Medo” (1979), “Scanners, Sua Mente Pode Destruir” (1981), “A Hora da Zona Morta” (outra adaptação de Stephen King, 1983), “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” (1983), “A Mosca” (refilmagem de “A Mosca da Cabeça Branca”, 1986) e “Gêmeos – Mórbida Semelhança” (1988). No Brasil, o cineasta Ivan Cardoso tornou-se conhecido com sua estética “terrir-pornochanchada”, em filmes como “O Segredo da Múmia” (1982) e “As Sete Vampiras” (1986).

Em 1982, um filme independente trouxe novas possibilidades para os filmes de terror: “Evil Dead – A Morte do Demônio” (1982) revelou ao mundo o talento de Sam Raimi, que ainda realizou mais dois filmes para a série, tendo dirigido recentemente o sucesso “Homem-Aranha”. Também merece menção o nome do escritor Clive Barker, que aventurou-se na direção e realizou o fantástico “Hellraiser – Renascido do Inferno” (1987), um dos grandes filmes de horror do cinema moderno. Outros filmes legais da década de 80 (você assistia à Sessão Coruja?) são “Dia dos Namorados Macabro” (1981), “Feliz Aniversário Para Mim” (1981), “Acampamento Maldito” (1983), “Gremlins” (1984), “Re-Animator” (baseado num conto de H.P. Lovecraft, 1985), “Demons – Os Filhos das Trevas” (1985), “A Noite das Brincadeiras Mortais” (1986), “Os Garotos Perdidos” (1987), “The Hidden – O Escondido” (1987) e “Quando Chega A Escuridão” (1987). Com a recente tecnologia dos aparelhos de videocassete, a indústria dos filmes de terror (assim como a de filmes eróticos) entrou numa nova era.

Com os anos 90, os filmes de terror ficaram mais rarefeitos e mal-feitos, muitos sendo lançados diretamente em vídeo. Algumas exceções são a  versão de “Drácula de Bram Stoker” (1992), realizada por Francis Ford Coppola (apesar de apresentar um final diferente do livro), o delicioso e escatológico filme independente “Fome Animal” (1992), de Peter Jackson, a convincente adaptação do livro de Anne Rice, “Entrevista Com O Vampiro” (1994), dirigido por Neil Jordan e a releitura de “Frankenstein de Mary Shelley” (1994), de Kenneth Branagh. O diretor e quase sempre “outsider” Tim Burton foi um dos poucos talentos a despontar no período, realizando pequenas lindas obras com sua inimitável estética “dark”. O diretor Wes Craven, nesta época, voltou ao cenário com “Pânico” (1996), filme que retoma a estética dos filmes mata-mata dos anos 80, numa espécie de tributo aos jovens retalhados na década anterior. Infelizmente, o sucesso do filme iniciou uma série de produções-lixo com jovens atores americanos da moda, como “Eu Sei O Que Vocês Fizeram No verão Passado” (1997), “Lenda Urbana” (1998), entre outras porcarias.

O único filme que conseguiu quebrar esse marasmo de idéias – mais por falta de competidores à altura do que qualquer coisa – foi o hiperestimado “A Bruxa de Blair ” (1999), que se valeu de uma divulgação esperta no novo meio de comunicação de massas da época, a Internet, para encher o caixa de dinheiro e, de quebra, gerar uma continuação medonha.


Por Alexandre Travassos