Dentre as crenças que tenho, uma das mais fortes é a de que o futebol é uma metáfora da vida.

Em uma noite do começo desta semana assisti a uma entrevista com Wallace, zagueiro do Flamengo, logo após o fim do jogo do time contra o Corinthians.Destaque da partida por ter sido o autor do gol da vitória rubronegra, Wallace foi questionado pelo repórter sobre seu hábito favorito quando não está de chuteiras: o da leitura.

Perguntado sobre a quantidade de livros que já leu neste ano, o zagueiro disparou: “Li 37”.

Não é preciso ser grande conhecedor de futebol para saber que, infelizmente, Wallace é uma exceção entre os atletas em matéria de hobby predileto. Aliás, admitamos com tristeza, ele é exceção entre os brasileiros…

Porém, quero fugir de um debate de cunho social, político e econômico para perguntar: no que o hábito de Wallace o auxilia em seu ofício de jogador de futebol? Para mim, erra quem responde “Em nada”.

Wallace é um dos jogadores mais articulados do futebol brasileiro. Não erra no português, concatena muitíssimo bem suas ideias, mede suas palavras com bom senso. Justamente por sua eloquência, é visto por boa parte da torcida do Flamengo como o jogador ideal para assumir a condição de capitão do time. Ingenuidade pensar que a leitura não tem nada a ver com essa percepção do público e com a construção desse perfil.

E após encerrar sua carreira como jogador? Wallace certamente terá toda a possibilidade de seguir ligado ao esporte em funções como a de comentarista ou de técnico, com plenas condições de desempenhá-las com competência. E novamente afirmo: posso apostar em que a leitura em muito colabora com esse potencial.

Wallace é uma prova viva de que os hobbies podem ir além das funções principais de nos entreter e de serem uma fuga dos estresses do cotidiano: muitas vezes de maneira despretensiosa, nossos passatempos conseguem sim influenciar diretamente nos nossos ofícios, mesmo que não tenham uma relação óbvia com nossas carreiras e trabalhos.

Ao refletir sobre isso, acabei lembrando do inesquecível Sr. Miyagi da série de filmes “Karate Kid” e das primeiras aulas que deu ao seu pupilo Daniel LaRusso, mandando-o pintar cercas, lavar carros e lixar assoalhos de madeira. Tudo bem que não era um hobby, mas ali estava a base do karatê de Daniel, mesmo sem ele se dar conta disso a princípio. Claro que, depois de tantos afazeres domésticos, ele foi treinar uns katas com Miyagi, mas extraiu boa parte de sua técnica de algo aparentemente “nada a ver”.

O que não falta neste mundo são workaholics que o são justamente por acharem que, quanto mais trabalharem, melhores profissionais vão se tornar, e assim acabam chutando o equilíbrio e a sensatez como um bom zagueiro rechaça as investidas do ataque adversário. Mal sabem eles das chances que perdem ao torcerem o nariz para atividades fora do trabalho que, além do bem que poderiam fazer a eles, talvez contribuissem muito para suas carreiras – já em séria ameaça por conta do excesso de trabalho. Remédio demais invariavelmente vira veneno.

Por isso, se você tem um hobby, reflita o quanto ele pode ter te ajudado ou estar te ajudando a fazer melhor aquilo que você abraçou como carreira; e se ainda não tem um, fica meu conselho de amigo: encontre-o e devore-o como Wallace faz com seus livros. Afinal, não há nada de espantoso em se pensar que hobbies fazem melhores profissionais pois, antes de qualquer coisa, fazem melhores pessoas.

 

Texto originalmente publicado por Carlos Alexandre Monteiro no linkedin.