Eu gostava de praia, ela de montanha. Eu de sol, ela de lua. Eu preferia o dia, ela era coruja. Eu queria cinco filhas, ela nenhuma…

Eu gostava de onda, ela de lago. Se eu dissesse ditongo, ela escrevia hiato… E mesmo com esse amontoado estupefaciente de contraditórios, nos encontramos.

Num dia de sol, no Subway da praia de copa ~ só copa mesmo, sem cabana ~ brigamos arduamente por um cookie de macadâmia: era o último, era enorme, era uma delícia, era o nosso preferido e nós duas precisávamos dele.

DIVIDAM. A moça do Subway, contrariando todas as regras universais que regem o nível intelectual das atendentes de redes de fast-food no mundo resolveu meter-se a ter uma epifania. A dita metida a espertinha, ora, não tem ideia, até hoje, do tamanho da arte que fez:

Nos sentamos juntas, ela e eu, e nos descobrimos perfeitas uma para a outra.

Ela pediu frango e eu vegetariano. Ela pão três queijos, eu integral. Ela bebeu Sprite e eu água sem gás. Ela entupiu o sanduíche de chipotle e eu pedi pouco, mas muito pouco, mostarda com mel.

Ela gostava de Tarantino e eu de Woody Allen, ela queria ir para a França, conhecer a Inglaterra e visitar o Japão. Eu só queria passar umas férias na Bahia ou em Fernando de Noronha.

Trocamos telefones e nos ligamos na mesma noite. Dias mais tarde marcamos cinema. Semanas depois fomos a um clube. No ano seguinte ela já era minha companhia nas festas da família e passada uma década já havíamos nos casado.

Ela foi para a praia comigo e eu visitei com ela os Alpes Suíços. Eu a defendi quando a chamaram de macaca em um estádio de Berlim, ela riu de mim quando me chamaram de branquela em Salvador.

Ela me convenceu a comprar uma casa no lago, e eu a convenci a adotar nossos pequenos anjinhos. Ela queria Júlio e eu queria João. Pedrinho ri disso até hoje. Ela queria Maria, mas eu queria Eduarda. Maria Eduarda não ri tanto assim.

No natal ela me fez comer peru. No ano novo eu a convenci a não preparar carnes para a ceia. Ela entupia nossos filhos de refrigerante pelas minhas costas, mas apoiava solenemente todos os meus sermões sobre alimentação saudável e qualidade de vida. E todas as noites depois de vermos algum filme do Tarantino ~ com as crianças ~ ela partilhava comigo a cama.

Quando Pedrinho fez 18 anos ela quis lhe dar um carro, eu não. Pedrinho guarda seu Audi em perfeito estado até hoje. Quando Duda fez 18 anos ela não quis lhe dar um carro. Duda ainda mora no apartamento que lhe demos.

Quando fizemos nossas bodas de ouro eu queria que fizéssemos uma viagem, mas ela preferiu ficar em casa.  À tarde a levamos para o hospital. Eu queria que ela estivesse bem, mas ela resolveu que tinha câncer. Eu queria que ela melhorasse, mas à noite seu coração cismou em parar de bater. Eu queria partilhar mais uma vez um cookie com ela, mas já faz um ano que eu não suporto mais o cheiro de macadâmia.