“Homens e mulheres não podem ser amigos, porque o sexo sempre estraga tudo. […] Nenhum homem pode ser amigo de uma mulher que ele ache atraente; ele vai sempre querer transar com ela.” Foi o que Billy Crystal disse a Meg Ryan em Harry & Sally, feitos um para o outro, de 1989. Em 1989, eu estava no 7o ano do Colégio de São Bento, em uma idade em que normalmente os meninos começam a perceber as diferenças entre eles e as meninas, e quando eles têm o seu primeiro caso de amor — com a mão direita. No 7o ano eu ainda era novo demais para entender que o raciocínio de Harry tinha uma grande dose de verdade, mas era incompleto. Existe uma exceção a essa regra, existe um momento mágico na relação entre um homem e uma mulher, um momento em que, em bom carioquês, a mulher “vira brother”.

 Que fenômeno é esse, e por que ele tem tudo a ver com o que eu vivia em 1989, no 7o ano do Colégio de São Bento? O momento em que a amiga “vira brother”, em que ela passa a ser vista como um amigo, é aquele momento em que se pode coçar o saco, falar sobre futebol e até soltar aquele comentário inocente sobre a gostosa do escritório. Em suma, é o momento em que o homem se liberta. O fato é que todo homem precisa desse momento de liberdade, um momento que as mulheres, a partir da primeira menstruação, não conseguem sentir nem sozinhas no banheiro. É por isso que jogamos a nossa pelada de terça, que vamos ao Maracanã ou que sentamos com um amigo em qualquer caixote no pé-sujo da esquina. Os homens têm a capacidade de se dar essa liberdade, homens em bando são livres, livres como apenas as crianças e os marmanjos podem ser. Por isso, elas nos chamam de infantis (com orgulho, se até Jesus, um de nós, já disse que quem não for criança não vai ao céu…), de imaturos. A verdade é que é a isso e não ao pênis que elas invejam.

Pois naquele ano de 1989, enquanto os meus amigos de outras escolas estavam aprendendo, na marra, que não se deve ser criança na frente de mulheres, que não é engraçado colar meleca na parede nem cantar o hino nacional inteiro, lábaro estrelado e tudo, num só arroto, enquanto isso, eu e os meus colegas fazíamos parte de um experimento antropológico — um colégio só para meninos. Em um ambiente só de meninos, conseguimos passar pelo turbilhão da puberdade sem ter que abrir mão da liberdade de ser crianças; não tivemos a associação pavloviana entre a maturação sexual e a castração da criatividade pueril. Pudemos seguir, já de buço e mãos cabeludas, fazendo esculturas de meleca, jogando porradobol e tacando Toddynho na pá do ventilador, sem os muxoxos reprovadores das moçoilas.

Ora, direis, e o convívio com o sexo oposto, como fica? Por mais contraditório que pareça, descasar o desconforto de conviver socialmente e o desconforto de conviver com o próprio corpo em mutação pode ser bem mais saudável do que parece. É verdade que a grande maioria dos meus colegas, eu incluído, era visivelmente incompetente no trato com as mulheres nos primeiros anos fora do colégio, mas isso teria ocorrido de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde, e não me lembro de nenhum de nós que não tenha superado isso rapidamente. Hoje conseguimos separar — talvez mais facilmente, não sei — a persona civilizada que aprendemos a usar com as mulheres da criança interior que todo macho tem que saber cultivar, e isso faz parte do “je ne sais quoi” que define um beneditino. O senso de humor, o raciocínio rápido de quem viveu 11 anos sobrevivendo ao bullying avant la lettre, o senso de companheirismo, nada disso foi construído apenas com a matemática do Papy ou as aulas de cultura clássica. A formação espartana do caráter também se constrói na caserna civil e cariocamente sacana do CSB.

Obviamente nem tudo são flores, e justamente esse lado florido da vida falta um pouco na adolescência beneditina. Não sei se os alunos de outros colégios têm mais facilidade com isso, ou se é mesmo difícil aos homens entender a sutileza da alma delas, mas a mim foi necessário ter uma filha para poder de fato entrar em contato com o meu lado feminino (que continua sendo lésbico, não me entendam mal). Hoje entender esse lado mais cor-de-rosa da vida me é importante até profissionalmente (trabalho em uma empresa de cosméticos), mas durante muitos anos foi um mistério impenetrável — e desinteressante. Talvez isso tenha tornado ainda mais delicioso aprender a fazer maria-chiquinha, combinar o sapato com a bolsa e que dá para reconhecer a princesa da Disney pela cor do vestido.

Não se pode ter tudo na vida e, pondo-se os prós e os contras na balança, continuo achando o experimento beneditino louvável e interessante, a ponto de não ter tido dúvida em matricular o meu filho no CSB. Espero que, acima de tudo, ele aprenda — como eu aprendi no São Bento — que é possível ser uma pessoa madura, educada e bem-sucedida e, ao mesmo tempo, continuar sem nunca se levar a sério demais.

Por Pablo Emanuel