Batemos um papo com Pedro Veríssimo sobre suas inspirações, referências e seu mais recente trabalho, o álbum Esboços:

Muitos artistas gaúchos acabam fechados no mercado regional, fazem muito sucesso no mercado regional e acabam pouco conhecidos Brasil a fora. Outros optam pelo eixo Rio-Sampa em busca de voos mais altos. Que caminhos te levaram ao Rio?

Pedro Veríssimo: O objetivo é, sim, a conquista do mundo… mesmo que uma pessoa por vez. Mas a vinda pro Rio não foi exatamente parte desse plano, aconteceu.

Em 2006, depois da formação original da Tom Bloch se dispersar por motivos variados, eu e o Iuri Freiberger decidimos gravar um segundo album e achamos que o melhor era fazer isso longe de Porto Alegre.

Pra mim, ao menos, seria estranho gravar com outros músicos daí depois de tanto tempo tocando com amigos tão próximos como o Sapo (Guilherme Dable, sócio fundador da TB), o Goyo (Juliano Faerman), o Mike (Vontobel) e o Edu (Bisogno).

Era necessario um certo distanciamento pra coisa andar. E acabamos escolhendo a Toca do Bandido, aqui no Rio, e músicos daqui pra nos acompanhar. Já nessa gravação começou uma relação de amizade grande com o Patrick Laplan e o JR Tostoi, que respectivamente gravaram baixo e guitarra no “2”.

Depois do disco pronto, a Som Livre – com sede no Rio – se interessou por lançar e fomos ficando. Quando me dei conta, já era o mais pálido morador de Ipanema.

 

Até que ponto a cidade interferiu no processo de criação das composições de “Esboços”?

Pedro Veríssimo: Acho que as pessoas mais do que o ambiente.

Com o círculo de amizades por aqui crescendo e com a TB revezando muito quem tocava, acabei criando excelentes laços criativos com o Fernando Aranha (guitarrista) e com o Marcello Cals (baterista) – com quem o Iuri inclusive dividiu um apartamento por muito tempo em Laranjeiras.

Hoje os dois são a minha banda junto com o Claudio Alves (baixo acústico), que foi uma indicação do Patrick Laplan que não canso de agradecer. A sonoridade desse trabalho passa muito por essa formação, não seria a mesma com outras pessoas.

Mas, sendo bem franco, “Esboços” tem uma vontade deliberada de soar mais leve que a Tom Bloch, mais ensolarado até. E é difícil achar que o visual e o lifestyle praiano do Rio não tenham tido alguma influência nisso.Mesmo que eu a areia mantenhamos uma distância respeitosa…

 

Neste trabalho, todas as letras são suas e 9 delas tem parceria com o guitarrista Fernando Aranha. O que você acha que o trabalho dele agregou ao transpor para música as suas letras?

Pedro Veríssimo: É raro eu chegar com uma letra que já não tenha uma idéia definida da melodia do vocal, mas é mais raro ainda eu chegar com alguma coisa além disso.

Então é muito um jogo de encaixe das várias harmonias possíveis com aquilo que eu cantarolo já meio pronto. E o Aranha é bom nesse jogo, principalmente porque não respeita muito o que eu sugiro – o que é ótimo.

Tenho tendência a achar que sou muito preciso no que quero e que me explico muito claramente… mesmo sabendo que isso não é nem um pouco verdade. Então eu chego, passo horas falando conceitualmente sobre o que gostaria, o Aranha fica me olhando pacientemente com cara de quem está prestando atenção e me rebate com alguma criação que eu não esperava.

É um processo que inclui surpresa, sempre.

Acho que com o tempo aprendi a usar bem essas crateras entre o que eu imagino que uma música vá ser e o que ela acaba sendo, isso com todos os meus parceiros.

Música é pra mim um processo colaborativo por natureza, algo que eu não sei e não penso em fazer sozinho. O divertido é isso, jogar uma idéia e ver pra que lado ela gira.

Claro que vou tentando moldar, fico dando direções pra aproximar do que pensava no início. Mas o bom mesmo é a surpresa no final.

 

A inspiração para as letras vem de sentimentos seus ou de coisas que você vê e escuta por ai ou acaba sendo um tudo junto misturado?

Pedro Veríssimo: Acho que toda letra é meio autobiografica, mesmo quando não é. Porque é sempre uma visão minha de determinada situação, sempre uma coisa sendo contada pelo meu filtro.

Minhas letras sempre são bastante lógicas, sempre busco fazer sentido. Então são elaborações, tentativas de me colocar no papel do outro e imaginar o que se passa na cabeça do cara que está tomando coragem pra chegar em alguém (“Muito Prazer”), ou da pessoa que consegue manter a pose mesmo quebrando por dentro (“Superpoder”).

Um tipo de exploração do sentimento alheio, mas tentando entender. Tentando que seja meu sentimento também.

E as vezes é.

Mas o processo quase sempre começa de alguma frase que me intriga, que eu sinto que contém uma história mas ainda não sei qual é. “Eu Sempre Digo Adeus” começou assim, por exemplo, dessa frase. E me botei a pensar o que isso queria dizer, sempre dizer adeus…

Adeus pra quem? Por que?

Algum carinho especial por faixa específica deste álbum?

Pedro Veríssimo: Isso é um pouco como perguntar qual dos filhos é o mais bonito!

“Fantasia Triste” eu acho um caso de conceito, letra e arranjo muito bem amarrados. Um tipo de samba triste, meio marcha-rancho, com citação escondida de clássico do Carnaval (tem um pierrot chorando pelo amor da colombina ali no meio, é só procurar…).

Acho que não tem nada sobrando e gosto disso, tudo se encaixa bem e funciona junto.

“Canção Suspensa” – parceria com o Iuri Freiberger – é uma das que mais gosto de todas que já fiz, acho a imagem forte e a poesia boa.

Me dá uma sensação de injustiça quando me dizem que é uma música difícil – não acho. Talvez só precise de atenção.

“Por ai” foi uma das faixas que mais me chamou a atenção neste trabalho. Existe uma história por trás dessa composição?

Pedro Veríssimo: Acho a melhor gravação, adoro a produção e a sonoridade que o JR conseguiu. E é um bom exemplo daquilo que falei sobre tentar deliberadamente ser mais leve.

Quando o refrão apareceu na minha cabeça era claramente pop, quase esbarrando em cafona (essa analogia com o vento, sobre ser livre, não é exatamente inédita…) e embarquei nisso.

É sobre gente que não consegue se comprometer, uma canção sobre medo mais do que qualquer outra coisa.

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Entre que você tem ouvido atualmente, com quem gostaria subir ao palco para um trabalho em conjunto?

Pedro Veríssimo: Eu praticamente só ouço coisas novas, meu grau de saudosismo musical é próximo de zero. Guardo as coisas que gosto na memória, no meu Ipod (que sempre foi shuffle e sem visor) eu coloco tudo o que vou ouvindo falar ou leio a respeito e ouço de forma embaralhada.

Talvez seja saudades de ouvir rádio.

Quase nunca sei o que estou ouvindo, a não ser que eu goste e vá deixando ficar.

Enquanto gravava “Esboços” o que mais durou no meu Ipod foi o “High Violet” do The National. Não foi exatamente uma influência, porque as canções já estavam prontas e a sonoridade é bem diferente, mas me identifiquei muito ali.

Esse ano eles lançaram um disco novo que não gostei tanto quanto do anterior, mas tem a música mais linda que ouvi em 2013: “Pink Rabbits”.

Em 2012 foi o Frank Ocean quem mais durou no shuffle. E quando ele se apresentou ao vivo no programa do Jimmy Fallon cantando “Bad Religion” com a banda da casa – e a banda da casa era The Roots – rolou uma inveja grande.

Vontade de estar ali, naquele palco e cantando aquela música.

SILVA também sobreviveu bem no meu playlist, achei incrivelmente superior a tudo mais que ouvi de brasileiro nos últimos tempos.

Agora ando meio fascinado por Alt-J, gosto muito da produção. Na verdade, acho que nem é desse ano, mas descobri agora.

E o show da Gal Costa talvez tenha sido o que mais me impressionou em 2013. Provavelmente – voltando ao começo da resposta – porque não tinha nada de saudosismo ali.*

Antes alguns músicos, amparados pelas grandes gravadoras e venda em massa de cds, pouco subiam aos palcos. Hoje a realidade é outra e é preciso cair na estrada. Você acredita que este é um modelo que veio para ficar?

Pedro Veríssimo: Acho que chegar pra ficar é um conceito que não se aplica muito aos dias de hoje. Me pergunta isso amanhã.

 

Você acredita que optar pelo lançamento do álbum pela web e sem ligação com uma grande gravadora permitiu a composição de um trabalho 100% autoral ou mesmo assim houve a preocupação em focar num mercado específico?

Pedro Veríssimo: Na verdade, nunca tive a experiência de grande gravadora. O primeiro album foi lançado pela Trama – que na época começava a experimentar um outro formato de gravadora – e já entregamos pronto, masterizado e tudo, foi um contrato só de distribuição.

O “2” foi o primeiro lançamento da SLAP, selo da Som Livre, que também ia por esse caminho de distribuição mais do que de investimento ou fabricação do artista. Eles ouviram já pronto, gostaram e lançaram como estava.

Ou seja, liberdade criativa nós sempre tivemos porque sempre fizemos tudo de forma independente. Só a distribuição e divulgação, nesses dois casos, foi feita por gravadora e selo.

E nunca me preocupei em agradar ninguém além de mim, sempre parti do princípio que se eu gostava alguém mais haveria de gostar. Não sei se é uma postura muito prática, mas acho que o conjunto até agora é sólido.

 

O lado publicitário do Pedro Veríssimo falou mais alto na construção da estratégia de divulgação do álbum pela internet? Você interfere nesta parte do processo ou prefere manter sua dedicação exclusivamente na parte musical?

Pedro Veríssimo: Quando escolhi a faculdade de publicidade, não pensava em agências ou nada assim. Escolhi porque sabia que ali estavam vários dos meus interesses: foto, filme, texto – comunicação em geral. Sabia que de um jeito ou de outro ia lidar com mais de uma dessas coisas ao mesmo tempo.

Quando decidi sair da vida de agência (onde acabei ficando um bom tempo) isso também pesou. Música já não era – antes mesmo da MTV e os videoclips surgirem, aliás – só som. Era muito mais do que isso, era tudo o que citei acima e cada vez mais.

Música é o centro do que eu faço, é em torno dela que o resto gira. Queria era poder fazer muito mais do que faço, criar estratégias mais mirabolantes de divulgação, tirar clips incríveis da cartola, coisas assim.

Mas acho que, dentro dos limites que praticamente todo artista no Brasil tem, até que consigo fazer coisas interessantes.

 

* mas de noite, nos sonhos de rockstar, não vou mentir: o letreiro ainda diz “Pedro and The Revolution”, com Wendy and Lisa na formação…

 

 

Confira o álbum Esboços, de Pedro Veríssimo (disponível para download gratuito aqui).

Por Andre Luiz Barbosa

Fotos Raul Krebs