“Será que nós formulamos mal a pergunta?” A perplexidade de José Luiz Datena, um dos jornalistas mais virulentos e conservadores da imprensa frente à série de manifestações que começou a ganhar popularidade na quinta-feira passada (13) e conseguiu em uma semana mobilizar grande parte da população e arrastar consigo um apoio, quase maciço, da opinião pública, a partir das redes sociais e do próprio reposicionamento estratégico dessa mídia reflete não só o estado da mídia no país, mas também da classe política.

 

O Brasil passa por um momento único, histórico e indefinido e a mídia de um lado prefere ressaltar os focos de violência – lamentáveis, certamente- enquanto não consegue emplacar na pauta a Copa das Confederações. De outro lado, o governo não consegue transformar Copa do Mundo e Copa das Confederações naquilo que são, excelentes propagandas políticas que retratam um país feliz e acolhedor para os estrangeiros que transformariam as eleições de 2014 em um mero referendo.

 

Assistir a essa mídia, tentando entender o Movimento do Passe Livre é lindo de se ver. Acompanhar o Datena, quase em loop, impotente em uma de suas pesquisas retóricas na mesma quinta-feira, virar sensação na internet pelo aspecto cômico é impagável. Mas talvez o ícone da falta de tato da imprensa e da falta de controle que ela exerce sobre a opinião pública atualmente seja Arnaldo Jabor. Aspirante a poeta, sexólogo e nas horas vagas jornalista, lançou um comentário truculento na própria quinta-feira, no Jornal Nacional – o pior e mais assistido telejornal do país – tentando desqualificar o movimento: eles são jovens que não precisam andar de ônibus, “filhos da classe média”, que ameaçavam a força policial mal remunerada. Oras, para eles no Brasil os manifestantes são bandidos, são vândalos, na Turquia eles são simplesmente manifestantes. Para essa mídia a luta da juventude é sem sentido, “no fundo é uma imensa ignorância política, é burrice misturada a um rancor sem rumo” nas palavras do analista.

 

Pois bem, graças ao imediatismo das redes sociais, que formula opiniões, e muito mais importante nesse caso, formula relatos que essa mídia não consegue desmentir, calar ou mesmo, desvirtuar, esse mesmo jornalista, se viu forçado a “mudar sua opinião” publicamente, agora no Jornal da Globo – com um comentário muito mais sóbrio, protocolar até. As razões para tal reposicionamento são alvos de desconfiança num primeiro momento, assim como é a mudança de atitude da revista veja, braço mais radical-conservador da editora abril, que em seu site substituiu a seção “marcha do vandalismo”, apenas na segunda feira, para algo muito mais isento como: protestos.

 

De outra forma, se engana quem julga que esse seja um movimento contra o governo. Há a consciência de que a corrupção, o descaso e a falta de representação política não se trata de um fenômeno que possa ser atribuído a um só partido ou mesmo a um viés ideológico. Luta-se, acima de tudo, contra as injustiças sociais de grandes empresários corruptores, de políticos inertes e da mídia protetora desses interesses.

 

Obviamente o governo tem a sua parcela de culpa, e está sendo bem cobrado pelo povo. Principalmente pela falta de respostas concretas, por um sistema político engessado, que funciona à base da corrupção e principalmente pelo esgotamento de suas políticas de auxílio econômico. É notório o grito por cidadania e justiça social, após a relativa justiça econômica propiciada pelos governos Lula e Dilma.

Ainda não se consegue definir o que esse momento vai trazer de mudanças concretas para o país, ou mesmo se conseguirá. De concreto, os preços das passagens de ônibus sofreram reajustes em várias cidades brasileiras, tanto naquelas onde as manifestações aconteceram quanto na quais aonde ainda ocorrerão.

Uma artimanha política? Certamente. Vai desmobilizar e acabar com os protestos em curto prazo? A julgar pelos acontecimentos recentes, não. Simplesmente porque esse não é um movimento econômico, é um movimento de cidadania, apartidário e a priori, com intenções pacíficas. O povo tem o direito de protestar sem ser reprimido, de ser protegido e não ser criminalizado pela polícia, que por sua vez tem o dever de supervisionar essas manifestações e reprimir e encarcerar aqueles que intentam vandalizar, mas não deve nunca, incitar a violência naqueles que querem manifestar pacificamente.

 

Certamente é o momento mais histórico pra essa juventude que só viu o Brasil ter destaque internacional justamente com aquilo que agora ignora. Títulos de Copa do Mundo, de copa das confederações, jogadores eleitos melhores do mundo, tudo se tornou irrelevante. O povo não quer arquibancada, quer rua.

 

*Rafael Nachtigall de Lima, mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pelotas.