Gente que se reúne por horas a fio, noite após noite, com uma única meta: conquistar o mundo. É, no universo dos viciados em jogos de guerra, qualquer semelhança com Pinky e Cérebro não é mera coincidência.

O que são exatamente os war games? Quem pensou no classicíssimo War errou e acertou ao mesmo tempo. Nenhum desmerecimento ao jogo da Grow, mas para quem é realmente apaixonado por jogos de guerra, conquistar 24 territórios ou destruir totalmente o exército verde são objetivos do passado.
– O War é um jogo um tanto simples, mas não deixa de ter seu valor. É como um Harry Potter, que está longe de ser uma obra-prima, mas tem valor inestimável como primeiro contato das crianças com a literatura. – compara Felipe de Vincenzi, músico e general de plantão.
É aí que entram títulos que você certamente nunca vai ver na prateleira das Lojas Americanas, como Axis & Allies, Diplomacy e Kingmaker. Em comum, estes três jogos (e mais algumas centenas de outros que só são encontráveis nos Estados Unidos e na Europa) têm o requinte dos cenários e a complexidade das regras. Um prato cheio para quem está afim de riscar Omsk, Tchita e Dudinka do mapa.

Sorte no jogo

Sem dúvida, o War é um jogo completamente dependente da sorte. Já no Axis, seu papel é mais secundário, embora um bom lance de dados posso virar o jogo. Já o Diplomacy radicalizou, trocando sorte e azar por confiança e traição. Qual é o papel ideal da sorte num bom war game? Felipe de Vincenzi tem toda uma teoria a respeito do assunto: – A sorte apimenta o jogo, mas se ilude quem pensa que determinados jogos são ganhos por quem tem mais sorte. Na verdade, eles são ganhos por quem tem melhor senso crítico e consegue definir o que é razoável esperar de um lance de dados. Pegue dois grandes jogos, como o xadrez e o gamão. Enquanto o xadrez é puramente mental, o gamão é frequentemente esnobado por enxadristas, que não conseguem ver sua beleza. Mas no gamão, você pode querer dobrar o valor do jogo a qualquer momento, e se o adversário recusa, perde na hora. Por isso é um jogo onde os oponentes ficam permanentemente analisando suas reais chances de vitória. E é graças à incerteza que o fator emocional aparece. Fica mais fácil intimidar o oponente e blefar.

Europa, 1942.

O Axis & Allies, como o nome denuncia, se passa na Segunda Guerra Mundial, onde as três potências aliadas (União Soviética, Estados Unidos e Inglaterra) têm que se valer de seu poderio econômico para virar o jogo e vencer o eixo Alemanha-Japão. O jogo exige decisões cuidadosas, já que qualquer pequeno erro pode ser fatal. O jogador se vê diante de uma grande variedade de unidades (tanques, infantarias, caças, bombardeiros, submarinos, encouraçados, transportes e porta-aviões) com valores de movimentação, ataque e defesa variados, e tem ainda que se preocupar com a economia de seu país, para não ficar de mãos atadas. Não é à toa que um jogo de Axis dura 5, 6, 7 horas.
Até comandantes experientes, como o publicitário Caio Schmidt, admitem que não é uma tarefa fácil:
– O jogo envolve muita estratégia, pouca sorte, e um cenário excepcional. Mas é difícil achar gente disposta a aprender as regras. Quem joga RPG normalmente está acostumado com regras complicadas, mas quem não joga se assusta. – lamenta Caio.
Pode ser, mas o esforço compensa. Realista e bem acabado, o Axis é um dos jogos mais premiados no exterior. Tanto que gerou duas continuações: Axis & Allies: Europe e Axis & Allies: Pacific, que detalham cada um dos lados da guerra e têm um acabamento ainda
melhor (com direito a pecinhas diferentes para cada país, imitando suas unidades da vida real, como o Spitfire inglês, o B-17 americano e o Panzer alemão).

Jogando os dados fora

Recuando uma guerra mundial, chegamos ao cenário de outro clássico. O Diplomacy, que já chegou a ter sua encarnação brasileira (Diplomacia, da Grow, alguém lembra?), envolve até sete jogadores que precisam se valer de intensa diplomacia para conquistar os centros adversários. Assim como sua variante, o Colonial Diplomacy (mais bem acabado, passado durante as guerras coloniais do século XIX), o Diplomacy possui regras aparentemente simples, mas que dão origem a um jogo bem sofisticado.
O grande diferencial é a total ausência do acaso (ver box). Não tem dados, não tem cartas, não tem nada. Para você conquistar um território, basta ter mais unidades do que o defensor, tarefa que normalmente exige a ajuda de algum outro jogador. É justamente aí
que está o pulo do gato. No turno de negociação, cada jogador negocia com os outros seus ataques, e escreve suas ordens num papel. E quando elas são reveladas, não é raro ver um prometido apoio se transformar em ataque pelas costas.
– Nada mais divertido do que ver a expressão na cara das pessoas depois que elas levam um backstab (ataque por trás) de um suposto aliado. O primeiro backstab a gente nunca esquece… – ri Caio.

Jogos de Guerra – Cenário e Sistema

Se aprender jogos de guerra é difícil, imagine desenvolver um. O sistema deve ser extremamente bem projetado para que não haja maiores desequilíbrios ou macetes sujos. Caio concorda:
– Sem um bom sistema, não há cenário que dê jeito. É o caso do Kingmaker (war game passado durante a Guerra dos Roses, na Inglaterra medieval). E o Supremacia, lembra? A única coisa maneira do jogo era tacar bomba atômica nos outros.
Nesse quesito, ponto para a Avalon Hill, companhia que desenvolveu a grande maioria dos bons war games, e que foi comprada pela gigante Hasbro.

Alguns destes jogos também acontecem via internet. Talvez essa seja a opção mais acessível ao jogador brasileiro, já que ninguém por aqui vende esses jogos.

A menos é claro, que você tenha (como vários viciados têm) disposição de pagar todas as taxas de uma compra numa Amazon da vida, ou um parente viajando pra fora. Por que isso? Talvez o Brasil simplesmente não tenha uma cultura bélica (ainda bem!), ou talvez nosso público seja realmente avesso a qualquer coisa mais complicada do que um Jogo da Vida. Mas que ia ser engraçado ver jogos como “Riachuelo: a Batalha Final!” ou “Resistência em Canudos”, isso lá ia.