Minha querida irmã,

Há tempos não ouço tua voz nestas cartas. Minha irmã, quem te abafou? Tua linda voz, ainda canta? Doce Justine, quem te sufocou? O dia aqui se faz tão belo, no horizonte, todo pintado de rosa e amarelo. A relva ainda é úmida, querida irmã, saudades dos teus pés, dos meus pés, dos nossos pés… Quando eu sair daqui, Justine, vamos correr.

 

Antes que eu me esqueça, à mamãe mande um grande beijo. Dia desses lembrei-me dela, mas esqueci da canção. Justine cante para mim. Justine, não conte a ela. Dizem por cá que logo poderei voltar. Eu poderia, no natal, uma surpresa fazer. Conte ao papai. Conte a todos. E antes que eu me esqueça, mande a mamãe um grande beijo. Noite passada ela me visitou. Justine, nós cantamos. Foi lindo. Minha irmã dance conosco. Quando eu sair daqui, Justine, vamos dançar?

 

Por aqui são todos muito agradáveis. Dona Lorenza manda suas preces pelo bebê. Não te apavores, Justine, nós três vamos brincar. Perto do lago, nós vamos brincar. Na cachoeira, nós vamos brincar. E tudo será como sempre foi e papai me perdoará por tê-la beijado e mamãe me perdoará por tê-la beijado. Quando eu sair daqui, Justine, vamos partir.

 

Perdoe-me o silêncio, querida irmã, eu dormi. Conte-me de novo sobre seu dia. Conte-me de novo sobre a adorável Sofia. Justine afague meus cabelos e não pare nunca mais. Os remédios que me dão, mudaram minha caligrafia. Vê? Tu podias ensinar-me a escrever como fez. Dona Lorenza sempre escreve, mas dorme. Assim como as senhorinhas Lúcia e Mary Anne, que estavam escrevendo o nome dos filhos, mas dormiram, dona Lorenza tenta terminar seu livreto, mas aqui… Por aqui não há jeito. Nos falta poesia, mas também nos falta coração. Viver sem teu sorriso… Justine, se eu sair daqui, Justine, livros e mais livros vamos escrever?

 

Noite passada eu ouvi a coruja, eu ouvi a garça e elas me ouviram tocar. No salão principal, elas me ouviram tocar. No piano, nas tuas notas, nos aplaudiram de pé. Naquela noite, Elizabeth não havia machucado o joelho e você não havia rasgado seu lindo vestido. Não havia lua, não havia coronel. Naquela noite, mamãe não havia morrido e quase não havia estrelas neste céu. Elizabeth dançava no salão sorrindo, Justine, a coruja e a garça naquela noite nos ouviu arfando e sumindo. Se eu sair daqui, Justine, vamos fugir?

 

Por aqui andamos todas sem graça, todas descalças, só desalmando o apelo meu. Essa espera é uma desgraça, teu silêncio uma desgraça, essa tinta nem é tinta! Justine, não faça isso. Viver sem vida é pura farsa. A noite em que eu pisei no teu vestido e você amassou o meu, minha querida, perdoe minha falta de jeito, eu só queria meus sonhos nos teus. O nosso amor, eu não conto a ninguém. Estou cansada de remédios, estou com sono, mais remédios, deitar-me-ei. Deita-te aqui comigo e me aquece nos teus braços, por favor, nos teus contos, nos teus seios, por favor, e me faça voar como antes, como sempre, como nunca. Se eu sair daqui, Justine, vamos voar?

 

remetente

Autora – Hanna Loyolla

Carioca, Hanna estuda biomedicina, mas é apaixonada também pela literatura. Escreve frequentemente, e muito, sempre sobre temas que, no mínimo, podem ser considerados dignos de discussão. Acompanhe a produção de Hanna aqui: https://babe3x.wordpress.com/