A cena é freqüente nos desenhos animados: o Coiote, lata de tinta e pincel na mão, desenha um túnel atravessando uma montanha. O Papa-léguas, surpreendentemente, atravessa tranqüilamente a passagem, e o Coiote, abismado, tenta fazer o mesmo – dando de cara na rocha. É isso que Woody Allen faz conosco em seus livros: abre um oceano nonsense na página, e atrai-nos a dar uma cabeçada no estilo enxuto, denso e sarcástico dos contos. O nervosismo, a neurose, a cultura judaica típicas de seus filmes unem-se ao desprendimento com a realidade, com a lógica, muitas vezes sem controle, levando a ironia ao seu ponto máximo. Se você é daqueles que acha os filmes de Woody Allen difíceis de assistir, nem chegue perto.

Livros de Woody Allen

A editora L&PM, detentora dos direitos das obras de Woody Allen no Brasil, mantém em catálogo regularmente três livros de contos, em formato pocket: Que Loucura, Sem Plumas e Cuca Fundida (com tradução segura de Ruy Castro). São textos publicados na revista New Yorker nos anos 60 e 70, antes que ele voltasse sua dedicação total ao cinema – com eventuais paradas para o clarinete, é claro. Nos três volumes, o que se vê é um desfile de criatividade, protagonistas judeus e medrosos (como de praxe) e temas corriqueiros, repletos de citações filosóficas.

A cada conto, uma surpresa. Em “Que Loucura”, Woody Allen coloca o seu personagem preferido (ele mesmo) em um triângulo amoroso formado por ele, sua namorada e a mãe dela. Até aí, nada de novo. Mas o amor platônico pela mãe da garota faz com que os dois se aproximem, e a namorada não consegue mais fazer sexo com ele – porque, agora, ele a lembra do pai dela. Já na “Puta com PhD”, um detetive infiltra-se numa rede de prostitutas intelectualizadas, que são pagas para discutirem Kant e Kierkegaard. (Num outro conto, o mesmo detetive é contratado para descobrir quem matou Deus.) E também há aqueles em que Allen solta-se ao imaginário puro: “Os Róis de Metterling” é a resenha de um livro fictício, que analisa a vida de um gênio através de suas listas de lavanderia; ou em “Educação para Alfabetizados”, onde sugere cursos que gostaria de freqüentar (como Leitura Dinâmica, onde os alunos são forçados a ler as páginas em diagonal, pulando tudo, menos os pronomes – e, no módulo avançado, até os pronomes. A prova final é ler Os Irmãos Karamazov em 15 minutos). Como “bônus”, ainda existem algumas peças de teatro de sua autoria – “Deus”, por exemplo, está atualmente em cartaz, correndo o Brasil.

Assim como os filmes, a prosa de Woody Allen é para se gargalhar ou odiar – sem meio termo. Ao preço médio de menos de 20 reais, é um investimento baixo para dar uma chance a si mesmo de descontrair e sair da rotina, com seus textos deliciosamente inverossímeis.

Por Tiago Casagrande

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