Impressões de uma visita guiada à primeira favela pacificada do Rio

Há quem discorde, mas poucos lugares me parecem tão essencialmente cariocas quanto o morro. Ele faz parte da identidade do Rio tanto quanto ícones como o Cristo, o Pão de Açúcar ou o Maracanã. Mas, apesar de ser uma fonte cada vez maior das expressões culturais que definem a cidade e de transbordar alegria e criatividade, a gente sabe, o morro também é lugar de tristeza, degradação e de contrastes que levantam uma série de questionamentos.

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Quando recebi o convite para subir o Santa Marta na companhia de outros fotógrafos, não sabia exatamente o que pensar da ideia. Não por qualquer receio, mas porque nunca gostei dessa abordagem da favela como safári. Acho desrespeitosa, a maneira como esse tipo de visita guiada pode ser invasiva, especialmente quando todos estão com câmeras enormes nas mãos. Felizmente, não foi o caso.

Para mim, é confuso pensar que o poder público tenha a iniciativa de capacitar uma parte da mão-de-obra local e organizar esse tipo de visita (identidade visual, material de divulgação, arrecadação de taxa etc.) para explorar turisticamente a própria falta de assistência. É o governo convidando turistas a conhecerem de perto o inusitado de como sobrevivem aquelas pessoas em um ambiente que só é o que é exatamente pela falta de atenção do próprio governo.

O que mais me cativou no morro foram as crianças. Safas, inteligentes e muito expressivas, elas andam descalças entre armadilhas de concreto e tijolo com mais naturalidade e desenvoltura que a criança classe-média desliza sobre o tapete felpudo antialérgico do seu quartinho decorado. Elas não sofrem dos mesmos melindres. A brincadeira por aquelas bandas ainda é soltar pipa, brincar de pique e juntar os centavos pra ir na quitanda mais próxima comprar doces. Pelo menos entre as crianças que vi, era isso. E foi algo que disse muito sobre o que é o morro para além das ideias que o senso comum nos impõe.

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Numa das casas, uma família se arrumava para ir a algum lugar. O filho menor tinha acabado de sair do banho, mas já corria pelas ruelas estreitas no entorno de casa na maior liberdade, completamente nu. Quando nos aproximamos, ensaiou alguma timidez, mas logo se soltou e quis ser fotografado. Os pais, acostumados com a presença de visitantes, já puxam conversa. Sem palavras diretas, nos dão a liberdade de registrar o momento. Agem naturalmente. O filho maior surge na porta e posa sorridente para a foto.

Terminamos o passeio exaustos e com uma sensação clichê, mas verdadeira: há algo de muito bonito e engrandecedor entre a simplicidade e a complexidade da favela. Algo que faz a gente se sentir em casa mesmo em meio a toda a tristeza da sobrevivência em condições tão adversas… e ter vontade de voltar.