Entrou no boteco manco e maltrapilho. Seu bafo exalava o fedor dos destilados de terceira linha que costumava beber. Um fio de baba escorria pelo canto de sua boca, misturando-se à barba espessa e sujismunda logo abaixo. Caminhou até o balcão arrastando uma das pernas e fazendo ecoar pelo pequeno ambiente, ritmadamente, o som seco da batida de sua bengala de apoio. Parou em frente ao atendente, um homem alto e gorducho dono de longa cabeleira loura amarrada sem cuidado atrás da cabeça. Suas mãos nodosas agarraram-se firmemente ao apoio da bengala. O pobre sentiu a vista falhar por um segundo.
– O de sempre, seu Jão? – Disse o loiro já pondo a mão na garrafa de pinga sobre o balcão. Seu Jão não respondeu. – Seu Jão? – Perguntou novamente o balconista, mas não obteve resposta.
O velho deveria ter já seus oitenta anos, barba cinzenta e cabelos de mesma cor – seriam brancos não fosse a sujeira – e era frequentador assíduo do bar da esquina. Todas as manhãs ele ali chegava, sentava-se sobre um dos bancos do balcão, pedia sua pinga, despejava o gole pro santo no chão do boteco, virava o copo e depois esperava que seus amigos chegassem para acompanhá-lo no carteado. Há anos que aquela rotina se desenrolava, mas naquela manhã o velho Jão parecia diferente.
Parado em frente ao atendente que lhe chamava o nome, seu Jão não ouvia o que ele dizia, nem o enxergava mais: uma mancha negra em sua visão lhe impedia tal sentido e parecia haver algodões lhe tapando os ouvidos. Ele sentia a língua presa e o corpo sem forças para levar as mãos ao braço que lhe começava a doer. Quando pode, abriu a boca e a baba escorreu livre pelos lábios encharcando sua barba por completo. Seus joelhos cederam ao peso de seu corpo e o velho caiu no chão. Morreu. Deixou pro mundo a família de 13 filhos e 27 netos, de quem já não tinha mais notícia alguma. Enterram-no em uma cova para indigentes, e sobre ela a unica coisa que se via era a garrafa de pinga, suas cartas de baralho e o pedaço de madeira em que estava escrito “Seu Jão”.
Allan Casagrande
Gaúcho da serra, amante das montanhas e apaixonado pelo frio. Tem paixão pela escrita, pelo desenho, pela fotografia e quase todas as formas de arte, incluindo a culinária (porque pra ele cozinhar é arte). Libriano, e isso diz tudo. Atualmente trabalha com social media em uma das maiores agências digitais brasileiras e, depois de ter passado um semestre cursando meteorologia, quase ter feito gastronomia, ter cursado cinco semestres de design digital, hoje se aventura pelo bacharelado em revisão e redação de textos.
Nas horas vagas distrai-se com seus seriados e livros favoritos e seu maior sonho é ter uma biblioteca enorme e uma sala com lareira em um chalé numa montanha nevada.