A mais previsível festa da cambaleante indústria fonográfica mundial, o Grammy , com seus prêmios para babas de R&B e “festejadas” premiações na categoria World Music para marmanjos da música brasileira, teve uma boa surpresa nesse ano. Com mais de 5 milhões de discos vendidos, a trilha sonora do filme dos irmãos Coen E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? faturou quatro prêmios Grammy, incluindo o de melhor disco do ano. O sucesso de vendas e os prêmios conquistados pela trilha de um filme que fez trajetória modesta em festivais de cinema não foram as únicas surpresas. A trilha resgatou para o grande público um estilo da música popular norte-americana há muito deixado de lado: o Country de raiz, também conhecido por suas variações Folk ou Bluegrass. Numa indústria que enfrenta guerras diárias contra a pirataria e redes de MP3, que tem medalhões como Michael Jackson vendendo bem abaixo do esperado e que esperneia aos quatro cantos uma crise sem precedentes, emplacar 5 milhões de cópias só nos EUA e quatro grammys com uma trilha sonora indica que o gênero merece atenção dos executivos.

Outra surpresa saída da trilha sonora de um filme americano inspirou o mais recente fenômeno das paradas inglesas. Embalando o super estrelado remake de Onze Homens e Um Segredo, a música “A Little Less Conversation” de Elvis Presley tomou de assalto o primeiro lugar nas rádios inglesas com uma versão remixada pelo DJ Junkie XL. A brincadeira levou Elvis a ultrapassar os Beatles em número de primeiros lugares emplacados na parada inglesa. E mesmo que a versão de JXL só tenha estourado ao ser usada num comercial de veiculação mundial da Nike, sem a trilha sonora de Onze Homens e Um Segredo ninguém teria redescoberto “A Little Less Conversation”, lançada por um decadente Elvis Presley na virada dos anos 70.

Esses são apenas dois exemplos recentes que mostram o lugar que as trilhas sonoras conquistaram na história da música e do cinema. Há tempos, o gênero merece seções exclusivas nas lojas de disco e tornou-se complemento inseparável de filmes e cenas antológicas da tela grande. Antes mesmo dos filmes falados ou musicados, as trilhas sonoras tocadas por bandas ou pianistas acompanhavam a maior parte das seções de cinema nas três primeiras décadas do século XX.

Os tipos de trilhas sonoras

Em pouco mais de 100 anos de cinema, tipos diferentes de trilhas foram eternizadas na memória dos cinéfilos: trilhas originais, compostas por um músico ou maestro (John Williams para E.T, Star Wars e Indiana Jones); trilhas com versões, em que uma determinada banda ou várias delas participam do filme ou só do disco (Uma Lição de Amor, ou I am Sam, com artistas escolhidos a dedo para fazer versões dos Beatles ou as bandas reunidas na trilha de Velvet Goldmine); trilhas compilações, quando o diretor ou um produtor musical inspirado garimpam músicas de bandas e épocas diferentes para colocar no filme (Pulp Fiction de Tarantino ou Snatch – Porcos e Diamantes de Guy Ritchie); ou mesmo trilhas originais compostas por músicos e bandas já consagrados (Ascensor para o Cadafalso com Miles Davis compondo a convite do diretor Louis Malle, ou o novo do Belle & Sebastian para o filme Histórias Proibidas). As fórmulas são inúmeras, e alguns diretores não se contentam em ter apenas uma delas em seus filmes, caso de Apocalypse Now de Francis Ford Coppola, que conta com uma sinfonia de Wagner, “The End” dos Doors e composições do próprio Coppola em parceria com seu pai, Carmine Coppola. Nesse bolo de possibilidades é impossível esquecer do Musical, gênero desgastado e até discriminado pelo público, que produziu clássicos do cinema como Cantando na Chuva, Mary Poppins, O Mágico de OZ , A Noviça Rebelde e West Side Story (Amor, Sublime Amor).

Parcerias: Fellini e Nino Rota

Seja como for, o cinema permitiu que fossem criados clássicos que, mais do que a uma simples música, nos remetem a cenas inesquecíveis, momentos especiais pelos quais passamos ou mesmo sentimentos projetados em uma estória ou personagem. Dessa química entre sons e imagens surgiram parcerias entre diretores e compositores que serão para sempre lembradas na história do cinema. É caso de muitos dos filmes de Frederico Fellini com seu fiel compositor Nino Rota. Foram 26 anos trabalhando juntos em mais de uma quinzena de filmes-trilhas, entre os mais conhecidos: Noites de Cabíria, Boccacio 70, A Estrada, Os Boas Vidas, Satyricon, Oito e Meio, Julieta dos Espíritos, Amarcord, A Doce Vida e Casanova. Outra dobradinha multi premiada do cinema é formada por John Williams e Steven Spielberg. Juntos colecionaram Oscars e recordes de bilheteria em uma dezena de filmes como Tubarão, Contatos Imediatos do Terceiro Grau, Indiana Jones, ET – O Extraterrestre, O Império do Sol, A Lista de Schindler e mais recentemente Inteligência Artificial . Outra parceria que ultrapassou a simples relação profissional para ser perpetuada na memória de todos os amantes do cinema é a de Georges Delerue com o cineasta François Truffaut. Delerue musicou 11 dos 21 filmes de Truffaut, por coincidência, o primeiro (Atirem no Pianista) e último filme (De Repente num Domingo) do cineasta francês.

Falar de trilhas sonoras e não citar Ennio Morricone (leia aqui matérias já publicadas na MOOD sobre o compositor Morricone parte 1 , parte 2 e parte 3 ) seria um desagravo contra os deuses da tela grande. O músico compôs sua primeira trilha em 1961 e ainda hoje continua mandando suas melodias para o Dolby surround das salas de cinema. Estima-se em mais de 500 os filmes musicados por Morricone. Entre muitos outros, esse romano trabalhou com diretores da estirpe de Pedro Almodovar , Brian DePalma, Roman Polanski, Sergio Leone, Oliver Stone e Barry Levinson e compôs trilhas memoráveis para 1900 de Bernardo Bertolucci, Orca, A Baleia Assassina, A Gaiola das Loucas, Era uma vez na América, Os Intocáveis e o clássico dos clássicos Cinema Paradiso.

Diretores que compõem

Fácil de encontrar entre as trilhas sonoras são aquelas compostas pelos próprios diretores dos filmes. Quem aventurou-se pelo ramo com algum sucesso foi o ator, diretor, roteirista, produtor e compositor Charles Chaplin. Tendo composto as músicas de seus sete últimos filmes, a partir de O Grande Ditador, o primeiro deles com som, Chaplin recebeu em 1974, vinte e dois anos depois do lançamento do filme, o Oscar de melhor trilha sonora para Luzes da Ribalta.

Chaplin não foi o único. O grupo de humoristas ingleses do Monthy Phyton , além de uma extensa filmografia, escreveram e compuseram com humor e muito estilo a maior parte das músicas de seus filmes, muitos deles musicais. Mais recentes são as composições hilárias de um dos criadores de South Park, Trey Parker, para seus filmes com o parceiro Matt Stone: Canibal – O Musical, Orgazmo e o longa South Park, Maior, Melhor e Sem Cortes . Fazendo paródia dos Musicais, Trey Parker junta em suas canções uma abordagem non sense de escangalhar de rir que passeia pelos mais variados estilos dos grandiosos musicais hollywoodianos dos anos 40 e 50. David Lynch também arriscou algumas notas em parceria com o seu “trilheiro” oficial, Angelo Badalamenti, no mais uma vez polêmico e inexplicável Cidade dos Sonhos.

E no Brasil?

Entre os filmes brasileiros, as trilhas sonoras têm uma relação um pouco diferente com o cinema. Por aqui, não existe a tradição de grandes compositores de filmes. Por algum motivo, no Brasil, é mais fácil encontrarmos grandes trilhas sonoras para peças de teatro do que para filmes. E se podemos culpar alguém por isso que seja Edu Lobo e Chico Buarque , que juntos ou separados fizeram músicas para peças como Cambaio, Gota D´água, Ópera do Malandro, O Grande Circo Místico e o clássico Os Saltimbancos. A dupla, ainda em tempo, trabalhou também para o cinema, principalmente Chico Buarque, que produziu para alguns filmes como Beijo no Asfalto, Para Viver um Grande Amor e filmes de Cacá Diegues como Bye Bye Brasil, Quando o Carnaval Chegar e Joana Francesa, em que faz a música-título para a atriz francesa Jeanne Moreau, a mesma musa inspiradora de Miles Davis em Ascensor para o Cadafalso. Entre os diretores do cinema nacional, Cacá Diegues parece ser um dos que mais se importam com a música em seus filmes. Para o diretor, no cinema, a música funciona como a “alma das imagens”. E para dar vida às suas imagens Cacá também trabalhou com Caetano Veloso (Orfeu e Tieta), Gilberto Gil, Jorge Benjor (Xica da Silva), Milton Nascimento e outros. O cineasta gosta tanto de trilhas sonoras que lançou um disco pela Natasha Records: “As Músicas dos Filmes de Carlos Diegues”.

Edu Lobo também se aventurou pelas salas de cinema em Guerra de Canudos, de Sérgio Resende, e fez algum barulhinho bom em parceria com Chico para O Xangô de Baker Street. Mas foi Tom Jobim um dos que mais contribuiu com músicas para os ouvidos dos fiéis espectadores do cinema brasileiro. Entre outros, Tom teve suas canções embalando Eu te amo de Arnaldo Jabor, A Menina do Lado de Alberto Salvá, Gabriela de Bruno Barreto, esse em parceria com Gal Costa, e é claro, Garota de Ipanema de Leon Hirszman.

Com poucos músicos especializados em trilhas para cinema, os cineastas brasileiros aproveitaram a riqueza de nossos cantores e compositores para resolver o problema. Wagner Tiso também é um deles, compositor de trilhas para filmes como A Ostra e o Vento, o documentário Jango, entre outros filmes, programas de TV e… peças de teatro. Mais recentemente, destacam-se Ed Motta e Ronaldo Bastos com algumas músicas para Pequeno Dicionário Amoroso e o estreante Dado Villa Lobos com uma trilha soturna e cheia intervenções eletrônicas para Bufo & Spallanzani. Premiada no 6º Festival Brasileiro de Cinema de Miami e também no Festival de Brasília de 2002, a trilha do filme O Invasor , de Beto Brant, também merece destaque entre a nova geração de músicos trilheiros. Os créditos e os méritos vão todos para o titã Paulo Miklos, o rapper Sabotage, e as bandas Pavilhão 9, Tolerância Zero e Professor Antena.

 As 5 melhores cenas-trilhas de momento para ficar na memória

1- Apocalypse Now – Helicópteros americanos bombardeiam vilas vietnamitas ao som de “The End” (The Doors).

2- Curtindo a vida adoidado – Quem não curtiu uma Sessão da Tarde com Mathew Broderick dançando “Twist and shout” (Beatles) no meio da cidade?

3- 2001: uma odisséia no espaço – O homem das cavernas lança um osso que se transforma numa estação espacial ao som de “Assim Falou Zarathustra” (Strauss).

4- Pulp Fiction – O assalto da lanchonete no início-meio-fim do filme virou a primeira faixa da trilha sonora acompanhada de “Misirlou” (Dick Dale and His Del-tones).

5- Os embalos de sábado à noite – Toni Manero na pista dançando “Stayin’ Alive” (Bee Gees). Hoje em dia é meio brega mas marcou uma geração.

Por Leo Lima