“Então… algo se move oculto… algo que respira o ar viciado… e sibila.” Uma ótima notícia para os fãs de quadrinhos: quinze anos depois de seu lançamento, o livro “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, escrita e desenhada por Frank Miller, finalmente ganha a sua esperada continuação. A história, que trazia o Homem-Morcego já na casa dos cinqüenta anos, foi considerada uma doideira total na época – e acabou por se tornar um clássico do gênero.

Mas, afinal, o que leva alguém a se vestir de morcego?

A menos que você tenha uma festa à fantasia ou sua namorada possua preferências esquisitas, a resposta é simples: basta ter seus pais assassinados no Beco do Crime. A história é batida: na saída do cinema, o jovem milionário Bruce Wayne é surpreendido, juntamente com seus pais, por um assaltante. Ao tentarem reagir, o Sr. e a Sra Wayne são mortos a tiros na frente de seu filho. O menino, único herdeiro de uma imensa fortuna, decide então dedicar sua vida à luta contra o crime, e não poupará esforços – nem dinheiro – nesta pequena guerra particular.

A idéia da roupa de morcego veio de um acontecimento de infância, quando o pequeno Bruce caiu acidentalmente num buraco em sua propriedade e acabou descobrindo uma caverna gigante, cheia de morcegos, que veio a se tornar a famosa Batcaverna, refúgio do herói.

Quando criou o personagem em 1939 para a editora DC Comics, o jovem desenhista Bob Kane não tinha a menor idéia das proporções que sua criação tomaria. Além de zilhões de aparições em quadrinhos nestes últimos 60 anos, o Homem-Morcego virou filme, uma ridícula – apesar de cult – série de TV (aquela do “Pow! Sock! Blam!”) e uma dezena de dezenhos animados, entre muitas coisas mais. Mas apesar de toda essa exposição e usurpação de sua imagem pela mídia, ainda existem aqueles que levam o tema a sério. E não são poucos.

E agora, um minuto de vossa atenção.

“Para mim, Batman nunca foi engraçado. Eu tinha oito anos quando retirei uma edição anual de oitenta páginas da estante de um supermercado. A arte numa das histórias parecia ótima e aterradora… Gotham City era formada por frias lanças de concreto iluminado pelo luar, varrida pelos ventos e insondável, desvanecendo-se em nuvens de luzes urbanas, brumas alvas e úmidas, milhas abaixo de mim. (…) Uma sombra caía atrás de mim. Asas próximas e quase silenciosas. (…) O luar banhava suas costas, os ombros enormes, percorria o pescoço musculoso rumo ao crânio, atingindo o triângulo de uma das orelhas pontiagudas de morcego. Erguia-se no espaço, asas abertas, e depois caía. Agora transformadas em tremulante capa, as asas envolviam o corpo de um homem. Ele passou por mim, e sua sombra, deslizando através das paredes, crescia até tragar prédios inteiros iluminados pelas brumas cintilantes. A sombra mesclava-se com a névoa. Desaparecia.
…O gibi de oitenta páginas custava caro, mas eu o comprei assim mesmo”.

O depoimento de Frank Miller, reproduzido parcialmente acima, nos dá uma idéia do que levou o artista a conceber “Batman – O Cavaleiro das Trevas” em 1987. A história se passa dez anos depois do herói ter anunciado sua aposentadoria. Pela primeira vez na história dos quadrinhos, um super-herói é retratado atemporalmente, ou seja, fora do tempo de sua concepção original. Bruce Wayne agora tem cinqüenta e cinco anos, cabelos brancos, e já não goza mais do vigor físico de outrora. Apesar disso, resolve voltar à ativa diante de uma Gotham City caótica, dominada pela violência e medo. Seus métodos de combate ao crime, como sempre anti-convencionais, despertam tanto o amor quanto o ódio dos habitantes de Gotham, que passam a se dividir entre prós e anti-Batman, enquanto a polícia tenta de todas as formas capturá-lo, sempre em vão. O problema passa a tomar maiores dimensões quando os antigos arquinimigos de Batman, como o Duas-Caras e o Coringa, passam a organizar matanças em massa para satisfazer seus delírios sociopatas.

Diante de tamanho caos, o presidente dos Estados Unidos decide pegar pesado e solicita a ajuda do mais poderoso dos heróis, o Super-Homem. O homem de aço àquela altura do campeonato havia se tornado um mero fantoche do Governo norte-americano, servindo aos interesses da elite e lutando ao lado dos militares contra a União Soviética (a história foi escrita durante período crítico da Guerra Fria). Depois de encarar face a face uma bomba atômica (não tentem fazer isso em casa, crianças…), o Super-Paladino da Justiça vai à Gotham City com a missão de acabar com as atividades do Homem-Morcego. O que ocorre em seguida é uma das maiores batalhas que o universo dos quadrinhos já testemunhou, resultando na – aparente – morte de Batman.

“Batman – O Cavaleiro das Trevas” tomou de assalto o mundo editorial, suscitando discussões que não se restringiram aos fãs de quadrinhos. A seriedade do tratamento dado aos personagens, a composição de uma psique complexa destes e um belíssimo trabalho artístico fizeram com que o livro de Frank Miller fosse reconhecido tanto pelo público quanto pela crítica, chegando alguns a considerá-la como a maior história em quadrinhos de todos os tempos.

Cavaleiro das Trevas  – Se era tão bom assim, para que mexer?

Boa pergunta. Miller há muito tempo vinha prometendo uma continuação da história. Tal como na obra, os fãs se dividiram em duas facções, entre os que eram a favor e os que eram contra a continuação. Sem dar ouvidos à polêmica, Frank Miller desenvolveu sua nova história, que chegou às bancas quinze anos depois da primeira.

Eis o enredo: passados três anos após a suposta morte de Batman, os Estados Unidos são dominados por Lex Luthor, que se vale de um ser criado digitalmente para fazer o papel de presidente da nação. A aparente tranqüilidade é apenas um engodo para sustentar o poderio de Luthor, que mantêm presos diversos heróis, além de controlar outros. Ao libertar dois desses super-heróis (Átomo e Flash), Batman passa a ser novamente um perigo para os poderosos. Mais uma vez, o Super-Homem é convocado para colocar as coisas de volta nos eixos.

“O Cavaleiro das Trevas 2” (a história é dividida em três volumes) impressiona, sobretudo, pelo trabalho da colorista Lynn Varley, que também atuou no “Dark Knight” original. Seu talento fica evidente principalmente pela qualidade do papel empregado na edição, que recebeu tratamento de luxo. O enredo e o traço de Miller continuam lá, firmes, pessoais, únicos, e o envolvimento de diversos personagens do universo da DC Comics na trama certamente irá atrair milhares de leitores. Não tem como dar errado, o que ficou comprovado nas vendagens americanas, onde a revista ficou no topo do ranking das mais vendidas do ano.