Eu cresci idolatrando a minha mãe. Na minha adolescência, eu a odiei, por um tempo. Já adulta, voltei a amá-la. ( e a odiá-la, algumas vezes). Depois que ela morreu, acho que finalmente a compreendi. E perdoei. Talvez tenha sido tarde demais. Muitas vezes é tarde demais. Mais vezes do que gostaríamos.
Outro dia sonhei com ela. Não foi um sonho bom. Nem tudo é bom no que se refere a mães, ou a sonhos. Tanta coisa não é.
Engraçado, a gente pensa que vai fazer diferente com nossos filhos. E depois repete tanto.
Uma vez um amigo me disse: não importa o quanto você se esforce, o quanto você faça. Quando for para a terapia, seu filho vai culpar você.
O mundo não é cor de rosa, ou azul, todo bonitinho, como aquele quarto de bebê tão cuidadosamente decorado e planejado. Aquela criança sorridente e fofa vai crescer, e fazer suas próprias escolhas. Vai deixar tudo bagunçado. Vai riscar as paredes, e escolher roupas que não combinam. Não vai querer comer, ou vai comer demais. Emagrecer, engordar. Vai cair, e se machucar. Vai gostar de meninos ou meninas. Vai te confrontar. Vai rir, e vai chorar. E você vai viver suas alegrias e dores intensamente, como se fossem as suas. Mas não são, e nunca serão.
Você vai se meter onde não é chamado, impor os seus medos e as suas experiências. Vai apontar caminhos, fazer julgamentos. Vai esquecer que filho não é propriedade, e vai invadir. Vai competir, decidir, e proteger além da conta. Muito além da conta. Vai tentar controlar. E depois, vai se defender, dizendo que fez por amor. E ainda acreditar.
Porque o amor é o maior de todos os álibis, a melhor desculpa, o passe livre para esquecer. Que filho é gente, e não território. Que intimidade não rouba lugar de ninguém, nem é permissão para atacar ou sufocar. É fácil esquecer disso tudo, em nome do amor. De um amor que sempre sabe mais.
De um amor projeção.
O meu filho, estes dias, me disse: “mãe, se tudo der errado, eu vou ser advogado.” Se tudo der errado, entenda-se pelo sonho dele, de ser jogador de basquete profissional. Eu estava saindo, com a bolsa pendurada no ombro, e atrasada, para variar. Parei na porta, estatelada.
Isso aconteceu pouco depois do sonho que tive com a minha mãe, o tal que não foi bom. Mas, que por isso mesmo foi uma paulada. Como muitas coisas ruins são. Como só as coisas ruins são.
Não quero que tudo dê errado para ele, mas, se der, não quero que ele precise se conformar. Não por mim.
Não quero que seja advogado. Ou médico, ou outra coisa qualquer, só para encaixar.
Quero que ele ache um novo ideal, e o persiga, incansavelmente. E, se este der em nada, que ele possa ter outro para recomeçar. E mais outro, sem fim. Apesar de mim, e além, muito além. Muitos sonhos, dentro ou fora da caixa, mas sempre fora de mim.
Quero que ele possa entender, e aceitar, também. Que nem tudo é bom, no que se refere a mães.
Que ele saiba se defender do meu amor projeção, sempre que for preciso.
Quero que ele possa me perdoar, muito antes de eu morrer.
Porque tudo o que eu desejo é o que toda mãe quer. O que minha mãe também quis.
O maior dos clichês.
Quero que ele seja, acima de tudo, feliz.
Mas a felicidade só é possível através de outro amor. Do amor liberdade. Que eu ainda quero e vou aprender.
E, quem sabe, talvez ele até seja advogado mesmo, um dia. Por sua própria escolha.
Não porque tudo deu errado. Isso, nunca.