Eduardo Coutinho está fazendo um verdadeiro mal para a nova geração de documentaristas brasileiros. Isto porque, ao assistir qualquer um de seus documentários recentes, tais como “Santo Forte” e “Babilônia 2000“, passa-se a impressão que qualquer um pode posicionar a câmera em frente a uma figura humana, por mais simples que seja, e dela extrair-lhe uma riqueza singular extraordinária.

Essa impressão permanece ao assistir o seu mais novo trabalho, o emocionante “Edifício Máster”, uma espécie de análise da vida e do cotidiano dos moradores de um “cabeça de porco” de conjugados em Copacabana. A equipe mergulhou na intimidade de cerca de 30 moradores do edifício de 12 andares, com 23 apartamentos em cada um deles, e o conjunto grandioso dessa simplória receita rendeu o Kikito de melhor documentário no último Festival de Gramado.

É inevitável o espectador se identificar com os depoimentos daquelas pessoas, aparentemente esquisitas, em sua árdua batalha em tornar a sua vida suportável diante das dificuldades do dia-a-dia, a começar por morar em um cubículo em Copacabana. São histórias de solidão, dificuldades de relacionamento, financeiras e de desagregação familiar. Em mais de uma caso, a vida junta casais de pessoas idosas, que cansaram da vida só e partiram para construir um novo relacionamento. Segundo a psicanalista Renata Salgado: “São relatos das andanças e errâncias que, entre perdas e aventuras, demonstram uma compreensão afável pelo que é particular, ou o que conhecemos vulgarmente como “mazelas da vida”.

Diante dessas mazelas, o emocionante é a construção de uma realidade otimista, mesmo que a palavra “suicídio” apareça em alguns depoimentos. E também a “realidade”, ou melhor a “verdade” dos depoimentos, é visivelmente colocada em questão pelas câmeras, ainda que haja um profundo respeito, por parte do filme, pelo discurso construído pelos entrevistados. Verdade ou não, representam a verdadeira afirmação da busca pela felicidade.

E assim, a emoção da platéia segue não só a palavra, mais alguns gritantes silêncios, gestos, lágrimas, sorrisos, trejeitos e subterfúgios. É nessa concepção que o filme se encontra com a máxima que a filosofia levou anos para formular, de “que a verdade tem a estrutura de uma ficção”. Não há como não atribuir respeito à história do senhor que diz ter um filho vice-presidente de uma empresa petrolífera nos EUA e ter cantado com Frank Sinatra em uma super luxuosa recepção, na qual ele era convidado. Ao revelar sua mania mais íntima e esquisita, que é bradar semanalmente My Way na janela, aquele senhor mostra que sua vida solitária ainda carrega um pouco do “glamour” que um dia ele viveu, ou não.

Por fim, a magia do cinema de Eduardo Coutinho nos revela o quanto a palavra (e até a não-palavra) é verdadeiramente a centelha de vitalidade da vida humana, como diria Nietzsche. Ou como disse Renata Salgado: “É lindo ver como o ser humano (falante) trabalha para dar um sentido à sua forma particular de viver”. Grandiosamente simples. Emocionante.

Por Bernardo Medeiros