Não tenho vergonha de dizer que me emocionei ao assistir a “Fantasia 2000”. Aluguei o DVD no dia de Natal e vi duas vezes o desenho animado. Aliás, hesito em chamá-lo assim. Apesar de figurar na seção infantil das locadoras, ao lado dos vídeos de “Pokemon”, ele deve agradar a todas as idades.
O primeiro “Fantasia” foi lançado em 1940 e se tornou um marco da animação ao representar com imagens obras famosas de Tchaikovsky, Beethoven e Mussorgsky, entre outros. A nova edição do desenho segue os moldes do original, explorando diferentes horizontes musicais com Stravinsky, Gershwin, Saint-Saens e Elgar. O episódio favorito do primeiro “Fantasia”, com Mickey e as vassouras trabalhando ao som de “O Aprendiz de Feiticeiro”, foi mantido com ligeiros retoques para restaurar a imagem.
Ainda assim, as diferenças com relação ao resto do desenho são gritantes. A qualidade visual dos episódios mais recentes é de cair o queixo, graças a recursos de computação gráfica que expandiram em muito as possibilidades dos desenhos animados – basta lembrar da exuberante sequência da dança em “A Bela e a Fera”, que já tem quase uma década, para fazer uma idéia dos avanços que vêm ocorrendo na indústria.
“Fantasia 2000” só decepciona no que tange ao enredo, uma vez que a maioria dos episódios (apresentados por atores famosos como Steve Martin, Bette Midler e James Earl Jones) deixa de lado a abstração do original para contar histórias lineares e de compreensão imediata.
O segmento devotado a Respighi, por exemplo, mostra umas baleias fantásticas navegando pelo espaço sideral (!) mas se perde por alguns minutos ao representar a tristeza de uma baleia mais jovem que se desgarrou de seus pais. Desnecessário. Da mesma maneira, “Pompa e Circunstância” traz o Pato Donald como um ajudante de Noé encarregado de recrutar animais para a viagem na arca, e a animação copiada de “O Rei Leão” não sustenta a história fraquinha.
Em seus momentos mais inspirados, porém, “Fantasia 2000” é pura mágica. “Rhapsody in Blue” começa com uma linha reta na tela branca, representando o solo do clarinete, para então se encher de cores e formas quando entra o piano de Ralph Grierson. O episódio retrata de maneira bem-humorada a vida maníaca das metrópoles.
Já “O Carnaval dos Animais”, um dos segmentos mais curtos com cerca de dois minutos, mostra um balé incomum de flamingos, incluindo um engraçadinho que adora um iô-iô. Bobo, mas delicioso. O último episódio talvez seja o mais belo e atual: “O Pássaro de Fogo” ganha tons grandiosos e uma clara preocupação ecológica, fechando de maneira brilhante a realização mais adulta dos estúdios Disney nos anos 90.
O DVD lançado no Brasil (área 4) inclui ainda um premiado desenho de dez minutos sobre a origem dos instrumentos musicais e um breve “making of” com Roy Disney, sobrinho de Walt, bem como as habituais seleções de capítulos, legendas e áudio. Um triunfo do casamento entre música e animação, “Fantasia 2000” deve ser encarado sem preconceitos como uma obra que desafia os limites da arte. Resta-nos, agora, torcer para que o próximo “Fantasia” não demore outros 60 anos para ser lançado.