Poucos homens conseguem desvelar o universo feminino como o diretor e roteirista manchegano . Seu olhar ajusta o foco de um mundo colorido, passional, sentimentalista e latejante. Assim são as personagens de Volver e a própria Espanha. Como metonímia de todas as mulheres o País de sociedade matriarcal é mãe, irmã, amiga, avó e amante. Acolhedoras, batalhadoras, complexas e explosivas.

Raimunda (Penélope Cruz – em excelente atuação, com certeza influência almodovariana) é linda, feminina, esperta e trabalhadora. Mesmo ajudando a filha após ter-lhe matado o pai – por tentar abusá-la sexualmente – não perde o ar terno e fraternal de mãe e a segurança da mulher que é. Não menos central que Raimunda, estão Sole ( Lola Dueñas) , Tia Paula ( Chus Lampreave) , Agustina ( Blanca Portillo) e Irene ( Carmen Maura) . Todas respiram força e garra, encontrando nas pequenas tragédias da vida um lugar de intensidade, de luz, de canto e de dança, onde as pessoas catarticamente mostram e exteriorizam seus sentimentos, sem a vergonha de escondê-los e com a solidariedade de compartilhá-los. Até nos segredos mais íntimos que cada uma guarda consigo há singularidade, autenticidade, e em conjunto inundam a tela com a comicidade e a beleza de seus sofrimentos.

Mesmo em situações em que muitos padeceriam numa vida enublada em sombras, Volver mostra com simplicidade que a morte, a desgraça, a pobreza e o infortúnio podem acometer a qualquer um. É a vida que vai e volta. E não aquela vida boba que todos sorriem e se abraçam felizes como um folhetim água com açúcar. Almodóvar expõe a paixão e a verve que está em viver-se . Comum, sábio e humano. Joga-lhe na cara o que pensam suas personagens e fala através delas. Não mede palavras. É reto e finca-lhe um punhal de sinceridade e humanidade em ouvidos e mentes.

Para Almodóvar, Volver representa vários retornos. Retorno a La Mancha, onde nasceu e foi criado. Retorno à comédia. Retorno ao tema feminino. Retorno à maternidade. Segundo as próprias palavras do diretor, enquanto o rodava, nunca se sentiu tão próximo de sua mãe.

Com o filme, também conseguiu superar um fantasma que o perseguiu por toda a vida: o medo da morte. Mesmo sem entendê-la ou admiti-la, o diretor revela que através de Volver , começa a aceitar a idéia do desaparecimento de tudo que vive. Esse é o pano de fundo do filme, ao retratar aquelas personagens vindas de uma pequena aldeia que lida com os mortos e com a própria morte de forma naturalizada (como em La Mancha). Chegando ao ponto mórbido, como a personagem Agustina, de cuidar-se do seu próprio túmulo comprado em vida. Não no sentido que o presente não seja importante, mas simplesmente porque inferno, purgatório e céu estão todos aqui, co-existindo com a realidade vivida. E é o exorcismo de tudo que habita nossos corpos e mentes que nos torna demasiadamente humanos.